Às vezes, há mais de um assunto na mesma data, e por isso talvez você se surpreenda, mas me sinto limitado pela cronologia ao escrever só semanalmente. Preferiria ocupar colunas diárias. E juro que sempre teria assuntos e inspiração, porque observar e escrever são as únicas coisas que faço com naturalidade.
Enfim, era Grenal e era Dia da Mulher.
Eu precisava falar sobre o Grenal na véspera, porque a derrota gremista estava muito delineada diante das circunstâncias e, caso eu abordasse o assunto sobre o que queria escrever depois dela, poderia parecer choro tricolor oportunista.
Enfim, quem leu o que escrevi na semana passada sobre a ridícula rivalidade local e suas decorrências (entre elas, o “charmosão raiz”, empacotado espertamente como “Gauchão FIFA” e irrelevante em todos os sentidos) entenderá.
Peço que o título regional, já em 2026, não seja mais que um quadrangular entre a dupla Grenal e dois times classificados em um torneio prévio. E olhe lá! É muito desgaste por quase nenhuma relevância, tanto em prestígio quanto financeira.
E a rivalidade? Se intoxicou em seu próprio veneno.
Já era! Leia o texto da semana passada e entenda.
…
Agora quero falar de mulheres.
Mas, especificamente, de uma delas. Uma que está entre os maiores personagens da História sul-americana: Eva Perón.
O que pretendo é abordar um aspecto alternativo sobre a data das mulheres, dia do ano que deve servir sempre como reflexão. A opção tem como fundamento a frase que muitos judeus têm repetido: “Dia das Mulheres, menos pras judias!”
Claro, isso se refere aos inomináveis estupros ocorridos no monstruoso pogrom de 7/10/2023, em Israel. Na sanha de não contestar a narrativa “progre” (sic) mainstream, muitos grupos femininos põem sob o tapete o sofrimento dessas mulheres.
E aí, vamos falar de Evita.
Adoro a Evita!
Contesto e ponho em dúvida a figura de Juan Domingo Perón, mas não a de Evita. Digo até que foi ela quem deu ao marido a influência que lhe rendeu os seus momentos mais edificantes.
Veja bem!
Perón chegou ao poder pelo golpe militar promovido pelo grupo GOU em 1943, em meio à Segunda Guerra. Ele e boa parte dos colegas flertavam com o fascismo, tendo o próprio conhecido a Itália de Mussolini e se acarinhado do regime. Na presidência entre 1946 e 1955, estabeleceu uma série de leis sociais com o respaldo da esposa com quem se casou em 1945, pouco depois da tentativa que fizeram de derrubá-lo e do retorno triunfal no mítico 17 de outubro de 1945 (o “Dia da Lealdade”, pros peronistas). Mas foram os melhores anos de Perón, desde que ele, como responsável pela pasta do Trabalho, conheceu Eva num evento ocorrido após o terremoto que afetou San Juan.
É, sem dúvida, seu momento mais humanista. Leis sociais, voto feminino, a Fundação Evita estendendo a mão a idosos, crianças e mulheres vulneráveis. Um show de medidas sociais relevantes.
Em 1973, quando Perón voltou do exílio na Espanha, sendo eleito meses depois com a renúncia do presidente títere Hector Cámpora, foi todo o contrário. Evita tinha morrido em 1952, e a nova esposa, Isabelita, com seu assessor López Rega, era a face obscura da repressão e da violência de extrema direita. Tanto é assim que os militares golpistas de entre 1976 e 1983 tentaram aprovar um indulto que retroagiria a 1973. Mesma turma!
Logo, eu procuro separar as figuras de Perón e Evita.
Falemos agora sobre a relação entre essa impressionante jovem e Israel. Sim, jovem. Perceba que, quando morreu, em 26 de julho de 1952, Evita tinha só 33 anos. Isso significa que a sua obra foi realizada quando contava com 20 e poucos anos. Ou seja, era uma moça idealista com toda a sensibilidade feminina, realizando sonhos e buscando realmente um mundo melhor.
E o que Israel tem com isso, direitistas impacientes, esquerdistas incrédulos e centristas curiosos? Vamos aos fatos.
Em primeiro lugar, é importantíssimo lembrar com honras ao mérito que o governo peronista foi o primeiro da América Latina a estabelecer um acordo comercial bilateral com Israel. E, ao mesmo tempo, a Fundação Eva Perón enviou roupas e medicamentos de barco para o porto de Haifa em seguida à independência do Estado judeu. Em 1951, a ministra do Trabalho israelense Golda Meir foi à Argentina e agradeceu pessoalmente pelas doações a Evita, de quem se tornou uma boa amiga.
Evita então disse a Golda:
“O renascimento de Israel é um fato extraordinário para a humanidade, e todos os peronistas nos refletimos nesse espelho maravilhoso, porque repudiamos o que fizeram aos judeus na Europa e admiramos a forma como souberam superpor-se à tragédia em tão pouco tempo.”
Como diria Eloy Martínez, “Santa Evita”!
Golda respondeu:
“Nós fomos perseguidos e expulsos de todas as partes. Valorizamos como a Argentina, hoje em dia, nos trata de igual para igual, sem nenhum tipo de discriminação.”
Grande Golda!
Mães das Pátrias.
Entrou para a História o dia 8 de abril de 1951, quando o ginásio do Luna Park, icônico palco de grandes shows e lutas de boxe no inicinho da “Calle” (na verdade, Avenida) Corrientes, abrigou um grande ato dessas duas grandes mulheres, tão afinadas.
Era um domingo. O Luna Park lotou!
Em agosto de 1949, Evita e seu marido, o presidente Perón, já tinham participado da inauguração da sede da OIA (Organização Israelita Argentina). Ela o levou pela mão ao evento.
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Neste momento em que mulheres judias são violentadas e servem de troféus para facínoras, nestes tempos em que nos perguntamos como podem movimentos feministas negarem a mão estendida às israelenses, olhamos para a Santa Evita, aquela jovem que deu colo aos necessitados e que discursava contra a “oligarquia”, e percebemos: como é lindo quando setores progressistas enxergam o óbvio e se alinham ao lado certo.
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Dedico esta coluna à querida Daniela Russowsky Raad, que no próximo dia 27 assume a presidência da FIRS (Federação Israelita do Rio Grande do Sul). Boa sorte, amiga! Siga os exemplos dessas grandes mulheres e tenha uma linda e profícua gestão.
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Shabat shalom!
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Foto da Capa: Wikipedia