Por orientação do Alto Comando do Exército, o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro tenente-coronel Mauro Cid compareceu fardado e permaneceu em silêncio nas oito horas que durou seu depoimento à CPI mista de inquérito do Congresso a que foi convocado para tratar de temas referentes à função para a qual fora designado pela Força. O antigo auxiliar tinha minuta de golpe no seu celular e está preso desde maio sob suspeito de falsificar cartões de vacina para si, sua filha, mulher e para Bolsonaro e sua filha menor de idade. A CPI apura a invasão dos prédios dos Três Poderes e as investidas golpistas do bolsonarismo. Nos quartéis, é crescente a irritação com o prolongamento da prisão preventiva de Mauro Cid, que em breve ultrapassará 80 dias.
O Centro de Comunicação Social do Exército informa que o Tenente-Coronel Mauro César Barbosa Cid foi orientado pelo Comando do Exército a comparecer fardado à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, pelo entendimento de que o militar da ativa foi convocado, relatou o Exército. O ex-ajudante leu uma mensagem no início da sessão, em que citou sua trajetória nas Forças Armadas e disse que iria ficar em silêncio, pois fora autorizado pelo Supremo a não falar, já que poderia produzir provas contra si mesmo. A sessão durou mais de oito horas.
– Sou investigado pelo Poder Judiciário, até onde tenho conhecimento, em pelo menos oito investigações criminais. As investigações que recaem sobre minha pessoa vão além do escopo dos autos dos atos que envolvem os tristes episódios de 8 de janeiro (…). Farei uso ao meu direito constitucional ao silêncio”.
Alguns veem o uso da farda como um fator de desgaste às Forças Armadas, diante das suspeitas de que oficiais participaram das tramas para a tomada de poder à força que circularam no entorno de Bolsonaro. Porém, prevaleceu a ideia de que Mauro Cid, tendo sido chamado na condição de oficial, deveria apresentar-se fardado. Espécie de “faz-tudo” do Palácio do Planalto no governo anterior, Mauro Cid guardava em seu celular um plano para acionar militares com o objetivo de dar um golpe de Estado após a frustrada tentativa de reeleição do então presidente em 2022. Ele também discutia a quebra democrática em mensagens com apoiadores de Bolsonaro.
O presidente da comissão, deputado Arthur Maia (União Brasil-BA), afirmou que vai acionar o Supremo contra o silêncio de Cid, uma vez que a decisão da ministra previa que ele tinha a obrigação de responder aquilo que não o incriminasse.
Horas depois das Nota que explicava o porquê de o Comando recomendar a Cid o uso da farda, a instituição enviou um complemento à posição anterior. O Exército disse que todos os militares da ativa “comparecem devidamente uniformizados” a depoimentos “em função da natureza do cargo”. O coronel Jean Lawand Júnior, no entanto, foi ao Congresso de terno e gravata e não de farda para depor na mesma circunstância. Antes do depoimento, a CPI quebrou o sigilo telemático de Cid a partir de janeiro do ano passado. A comissão aprovou ainda pedidos de informação sobre ele ao Coaf (Conselho de Controles de Atividades Financeiras).
A Polícia Federal identificou depósitos e saques fracionados e em dinheiro vivo do ajudante de ordens e de outros integrantes do Palácio do Planalto relacionados a pagamentos de contas da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. No início da sessão, Cid leu uma mensagem na qual exaltou sua trajetória nas Forças Armadas e relativizou as atribuições de seu posto no governo. O militar tentou reduzir o papel do ajudante de ordens ao de um secretário e disse, por exemplo, que não era sua função analisar propostas levadas ao presidente.
A base do governo tentou explorar a proximidade entre Cid e Bolsonaro para levar o ex-mandatário ao centro das investigações sobre o ataque às sedes dos três Poderes. Mesmo tendo sido convocado para falar sobre as mensagens golpistas trocadas após a vitória de Lula, sobretudo com o coronel do Exército Jean Lawand, Cid estava presente em episódios centrais do governo Bolsonaro. O próprio ex-ajudante de ordens listou à CPI as investigações da qual é alvo, além da suspeita de ter fraudado documentos oficiais para demonstrar que ele e Bolsonaro teriam tomado a vacina contra a Covid-19.
Cid citou os inquéritos pelos ataques de 8 de janeiro e pelas joias presenteadas pela Arábia Saudita. O militar chegou a enviar um integrante da ajudância de ordens para o aeroporto de Guarulhos em busca dos presentes apreendidos pela Receita Federal em 2021.
Ele também é investigado por pagamentos do ex-presidente e da ex-primeira-dama, vazamento de inquérito sigiloso, divulgação de fake news, envolvimento com milícias digitais e envolvimento em atos antidemocráticos em 2019.
Durante a sessão, ex-integrantes do governo Bolsonaro saíram em defesa do ajudante de ordens. O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor-geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), chegou a responder às perguntas que fazia. “Qual foi a sua última missão com o presidente Bolsonaro? Eu tenho certeza de que a última missão foi a viagem aos Estados Unidos com o presidente, encerrando a sua missão e deixando de estar com o presidente”, disse Ramagem sobre a decisão do mandatário de deixar o país em 30 de dezembro.
Foto da Capa: Lula Marques / Agência Brasil