Eu até ajudo, como voluntário. Deem-me jaleco, boné, viatura e um radar poderoso. Vamos fazer uma superblitz na Estrada do Mar, aquela rodovia criada como atalho pro prazer da orla, que faz o cara chegar mais rápido, mas que é estreita, não tem acostamento e precisa, sim, manter-se no seu limite de velocidade sabiamente calculado em 80 km/h.
Ano a ano, os Indiana Jones do asfalto me irritam profundamente. Estou eu ali manejando responsavelmente meu auto, e os obuses passam quase invisíveis, tal a velocidade empreendida naquilo que para mim, quando são homens ao volante (normalmente são), me parece uma forma de compensar algum tipo de insuficiência peniana.
Mas, sobretudo, o que me irrita nessa irresponsabilidade violenta é que eu sempre estou, dentro do meu veículo automotor, com as coisas que mais amo na vida: minha família. Tchê, é repugnante ver o imbecil extravasar suas neuroses e complexos de inferioridade colocando as vidas dos outros em risco. Minha vida e da minha família?! Ah, o dedo médio funciona!
No fim de semana passado, um episódio resumiu todos os horrores que tenho visto da prepotência e da agressividade ignorante. Eu estava nos meus permanentes 80 km/h quando um desses Indiana Jones mal resolvidos começou a me meter luz alta e enfiar a fuça do carro dele na minha imperturbável traseira. O tipo insistiu por cerca de 10 minutos, e eu nada.
Quais as opções? Andar acima da velocidade numa rodovia perigosa, ou me atirar no vão da lateral, onde o ideal seria que houvesse um acostamento? Nenhuma das duas, ora. O cara da insuficiência peniana que segure suas neuras e aproveite pra refletir sobre a própria imbecilidade. Não vou eu ceder ao seu estilo grosseiro, violento e autodestrutivo.
Pois bem. O sujeito enfim conseguiu nos ultrapassar, cortou ostensivamente a nossa frente e… bah, pessoal, não é querer politizar, mas são os fatos: fez aquele sinal de arminha. No mesmo instante me arrependi do gesto automático de mostrar o dedo médio. Não se mexe com essas figuras. Capaz de o cara ter um berro guardadinho no porta-luvas, como eu tenho uma kipá.
Além da sugestão à Polícia Rodoviária (e é séria essa sugestão! Imagina a grana que vai entrar pros cofres públicos, além da intimidação à boçalidade do trânsito automotor), fica a dica aos outros motoras. Eu ando sempre a 80 km/h na Estrada do Mar e a 110 km/h na Freeway. O pé parece engessado, até porque com a preservação da vida eu sou conservador.
A dica é a seguinte: imaginar a quanto vão os bólidos a partir dos marcos 80 ou 120. Peguei esse costume. Faço estimativas. “Este está a 170, fácil!” Como ensinou o velho Einstein, se estou a 110 e o cara ao meu lado passa por mim a uns 60, é só somar: 170. Tem casos em que grito: “Este filho da puta está fácil a 200 km/h. Canalha!!!” A família ouve, mas entende.
Gosto de usar a expressão “pôr a bola ao centro”. É futebolística e jornalística. Nas reuniões de pauta das redações, “pôr a bola ao centro” é fazer uma reportagem ou um texto analítico muito didático, indo ao âmago do assunto, depurando-o de contaminações desnecessárias, e levar a saudável interpretação aos leitores, o que é uma forma linda de informar.
Então, ponha a bola ao centro: tchê loco, um veículo automotor é só um meio de locomoção, não é uma arma. Até questiono a expressão “acidente”. Se fossem acidentes, seriam pouquíssimos. Raros. Na maior parte das vezes, os acidentes não são o que em juridiquês se chama de “culposos”. São dolosos. São aquilo que chamamos de dolo eventual.
Diante desse flagrante difuso, em que asseguro às autoridades que são dezenas de casos, volto ao começo deste texto e até me ofereço como voluntário. Pra salvar vidas, o valor está muito acima do preço (percebam que são coisas diferentes). Faço sem grana envolvida. Me motivo apenas pelo imensurável amor que tenho à vida e pelo ódio que tenho à morte.
Entre Tânatos e Eros, sempre Eros!
Beijão a todos. Ótimo Carnaval! Muita vida!
E shabat shalom!