O que ocorre quando um clube sofre punição pesada por alguma situação envolvendo torcida violenta, racismo, invasão de campo ou outros delitos? Muitas vezes, é a perda do mando de campo.
Os clubes gaúchos, em especial o Grêmio (porque deve ficar sem seu estádio até dezembro), sofreram essa punição.
E qual foi o motivo? A tragédia ambiental que devastou o Rio Grande do Sul. Credo! Esse foi o nosso “crime”.
Ou seja, fomos punidos duplamente, violentamente.
Somos vítimas e estamos sendo tratados como delinquentes.
De nada adiantam as frases bonitas e as falsas demonstrações de solidariedade se, na prática, a mão não é estendida.
Uma coisa é a Libertadores, em que se joga uma fora e outra em casa, podendo haver a mobilização no estádio cedido diante de jogo decisivo contra clube do Exterior. Outra, bem diferente, é uma competição nacional de pontos corridos em que há um turno de ida e outro de volta, com jogos dentro e fora de casa. Nossos clubes terão de jogar sempre fora de casa, como se tivessem sido punidos em razão de alguma infração. Há uma clara lesão a maior de todas as leis do esporte: a isonomia.
Certamente, numa analogia com o Direito, essa lei, a da isonomia entre os competidores, é cláusula pétrea em qualquer carta máxima do exporte. Ah, a FIFA não deixa. Ah, o regulamento não permite. Ah, os outros clubes não aceitam.
Como é que é?!
Repito: existe uma lei muito maior que precisa ser respeitada acima das outras. É um princípio universal de igualdade.
A competição está irrevogavelmente comprometida, e os prejudicados não provocaram o fato que os atingiu.
Não provocaram! Foram vítimas! Sofreram!
É exasperante!
Deu pra entender o completo absurdo da situação?!
Neste dia 3 de junho em que escrevo estas linhas, estamos lembrando o gênio Kafka pelos cem anos da sua morte.
Lembrança muito apropriada ao conteúdo desse texto.
É muito kafkiano!
Faz tempo que pergunto a frase ali no título, sobre a seriedade do futebol e suas repercussões. Sabemos que o futebol, não por acaso o jogo mais popular do mundo, mobiliza multidões, provoca paixão e pertencimento, é um grande enredo com drama, tensão e suspense a cada peça de 90 minutos, com sofrimentos e superações. Afora isso, mexe com muito dinheiro.
Logo, é, sim, coisa muito séria.
E, se é coisa séria, precisa ser levado a sério.
Por que faz tempo que pergunto isso? Porque, a cada erro de arbitragem absurdo que ocorre (e eles ocorrem cada vez mais), eu penso “que absurdo”, “que revolta”, “que crime”. Rios de dinheiros são comprometidos, sofrimentos são provocados, vidas profissionais são esculhambadas. Isso é vida real.
Como é vida devastadoramente real a maior tragédia climática sofrida no Brasil, um episódio histórico e excepcional, que afundou um Estado na lama e provocou correntes, algumas pelo jeito muito hipócritas, de suposta solidariedade.
Mas a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não fez a leitura correta. Puniu as vítimas com a mão pesada que só têm as pessoas com profunda ausência de generosidade e empatia.
Em mau português, cagou e andou!
O risco do rebaixamento para os clubes gaúchos deveria ser abolido neste 2024. É a mais simples das determinações. Outros clubes seriam prejudicados, por que aumentaria a chance de rebaixamento deles? Ora, diminui-se o número de rebaixados proporcionalmente, para ninguém reclamar depois.
Mas é um escândalo histórico o que a CBF faz.
É um cinismo inqualificável, uma hipocrisia espantosa.
Fico aqui pensando no Flamengo campeão brasileiro justamente no ano em que houve o absurdo incêndio no Ninho do Urubu.
Ueba! Brasil-il-il!
E nós seremos punidos por uma catástrofe ambiental que fez o mundo inteiro olhar estarrecido para o Rio Grande do Sul.
A CBF é insensível e cruel!
Esse é o cúmulo da falta de critério e da estupidez.
Se houve uma situação de excepcionalidade ímpar, tal situação deve ser tratada com medidas excepcionalmente ímpares.
Excepcionalmente, não encerro este texto com o meu tradicional “shabat shalom”, que é desejo de paz em hebraico.
Pelo contrário. Encerro o texto com indignação e com o pedido para que todos os prejudicados se rebelem contra o desmando e a falta de consideração disfarçada por discursos falsos.
Ah, tem uns mais prejudicados que outros, e esses “outros” (menos prejudicados que os “uns”) também tentam se aproveitar da situação no contexto da pobre rivalidade local? Esse assunto também dá asco, mas deixa pra lá. Mais um.
O que importa, agora, é dizer: CBF, vocês são uma vergonha! Vocês não estão à altura da imensidão do futebol.
Pela primeira vez na minha vida, vou torcer para que a seleção brasileira não vá à Copa do Mundo. E a seleções de outros países que convocaram jogadores de clubes prejudicados pela catástrofe ambiental também desejarei o mesmo destino.
Vocês não merecem. Vocês não prestam!
Vocês não são sérios.
Foto da Capa:
Mais textos de Léo Gerchmann: Leia Aqui.