Vou falar num personagem que tem sua origem no Oriente Médio, dispersando-se depois pela Europa e pela Ásia, chegando na América por volta de 1850. Sua chegada ao Brasil foi por volta de 1903 (segundo registros históricos), quando o então prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, autorizou seu ingresso no país. Hoje, são encontrados em quase todos os países do mundo, o que os caracteriza como uma espécie cosmopolita.
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A descrição acima é de um pássaro: o pardal.
E também pode servir pra mim.
Sou pardal! Sou judeu.
A engenhosidade semântica dos judeus de Porto Alegre, temperada pela característica muito judaica de fazer piada sobre si próprio, forjou esse epíteto cuja origem poucos sabem. Muitos atribuem à característica anatômica do nariz adunco. Aposto que a explicação está no parágrafo de abertura deste texto.
No Bom Fim, é usual, em vez de dizer “judeu” ou “israelita”, usar essa gíria muito nossa.
Quando eu era guri, no Colégio Israelita Brasileiro, a turma adorava criar apelidos. Qualquer traço físico ou semelhança com algum personagem famoso servia de motivo.
Tínhamos uma torcida organizada do Grêmio: os inesquecíveis Pardocas da Fiel!
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E eu piro com isso!
Quando morei na Argentina, me dei conta de que lá é igualzinho. No futebol, é muito forte esse hábito. Pulga, piojo, muñeco, bruja, pelado, loco… a influência é direta. Dias atrás, morreu o ex-zagueiro gremista Beto Fuscão, que recebeu esse apelido em razão da parte traseira de sua anatomia.
Vejo uma curiosa tabela nesse emaranhado de criatividades. A influência judaica na Argentina é enorme, e a influência argentina no vizinho Rio Grande do Sul, idem.
A coisa ricocheteia!
E nós, pardais, no ninho dessa loucura tri legal.
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Morei na Argentina sete meses essenciais da minha vida, 1/4 de século atrás. E amo aquele país! Tchê loco! Eu morava em Palermo e de lá andava por toda a cidade. Daria uma longa coluna só pra comentar a intensidade da experiência de ser correspondente em outro país, a imersão que isso significa. Eu era o correspondente da Folha de S. Paulo e… sério… Buenos Aires está tatuada na minha alma.
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Devo muito a esse momento da minha vida a indicação pra ser o enviado especial da Folha à França pra ser protagonista de algo histórico: a primeira grande cobertura esportiva online, em tempo real, em 1998.
Uau!
Evidentemente, essa experiência única iria virar livro. E virou!
Era euzinho tendo a histórica oportunidade de estar lá e ser protagonista.
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Em maio de 1998, quando eu recém havia retornado da temporada de sete meses como correspondente da Folha de S. Paulo em Buenos Aires, o jornal decidiu que ousaria ao ser pioneiro numa cobertura online, que abastecesse o UOL e a Agência Folha. O repórter a quem coube essa honraria fui eu. Durante 40 dias, tive o privilégio de ser protagonista numa revolução digital, cobrindo jogos em cidades como Paris, Nantes e Marselha. Foi a Copa em que Ronaldo Fenômeno teve o famoso apagão na final vencida pela anfitriã. Passado quase um quarto de século daquele evento marcante, aproveitando que teve a cobertura toda impressa, reuni as reflexões sobre aquela esquina da História, acompanhadas de reproduções das notas, para perenizar esse riquíssimo material em livro.
O trabalho, de 95 páginas, é dividido entre o ensaio e as notas que põem o leitor naquele evento histórico. A ideia é, além de levar o leitor a refletir sobre a revolução digital e suas implicações no jornalismo e no cotidiano em geral, proporcionar uma leitura prazerosa e marcar o momento em que os fatos ocorreram, com a agradável ironia de que esse livro só foi possível porque minha esposa, a também jornalista Dione Kuhn, me presenteou com todas as notas que eu havia enviado da França. Foi graças ao papel!
- Título: Revolução Digital na Copa da França
- Editora: AGE
- Preço de capa: R$ 45
- Lançamento: 15 de dezembro, na Livraria Cultura
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Homenagem ao Gil
Se eu tiver que destacar o meu artista preferido, terei que fazer algo de que não gosto: usar o artigo definido pra falar de tanta gente talentosa e diferente entre si. Mas seria inescapável escolher o Gil. Aqui, então, eu o homenageio em poema, com toda a minha afeição muito “pardoca”, muito atávica, ao humor até em situações pouco divertidas e ao uso do jogo semântico pra brincar com as palavras:
Homenagear o Gil
É resgatar
A lindeza do Brasil
É buscar algum tema
Com a pintura
Da Marina Morena
É estar com os meus
Atrás de uma forma
Pra querer falar com Deus
E por louco não me tomem
Mas é uma sensibilidade
Que nos torna Super Homem
Como se me esbaldasse
Sentindo na alma
O poder lindo do realce
A arte me faz inteiro
E frutifica
Como um abacateiro
É rir ao fazer uma lista
Incluindo até rival
Ao abraçar o flamenguista
Mas nem a arte basta
Quando o gênio vai ao estádio
E encontra a pessoa nefasta
…
Mas falemos mais de Copa
Porque a ignorância
É como animal que galopa
Chega a afetar a esperança
Quando os boçais
Implicam até com nossa dança.
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Shabat shalom!