Leonard Cohen compôs Alleluya num momento de enlevação que nem ele entendeu, porque realmente é sublime e incompreensível. A música virou hino, é a preferida de muitas pessoas, teve diversas versões e ganhou em popularidade por um filmaço de animação protagonizado pelo querido ogro Shrek – não deixa de ser curioso um improvável ogro popularizar algo assim tão sensível e delicado, mas, se você já viu Shrek, certamente entende que tem muito a ver, porque é lindo.
Alleluya é única. Cohen, que é judeu (o sobrenome em si é uma carteira de identidade), cantou essa música no Ramat Gan Stadium, de Tel-Aviv, lotado, em 24 de setembro de 2009. O último disco do gênio judeu canadense foi lançado em 21 de outubro de 2016, e ele morreu 17 dias depois.
Vários momentos são significativos na trajetória de Cohen. Quando conheceu Bob Dylan, e compartilharam a mesa num café de Paris, os dois poetas judeus da música, um canadense e o outro estado-unidense, se encantaram mutuamente. E, claro, Dylan foi um dos intérpretes da linda música do amigo.
Alleluya foi cantada em todos os cantos do mundo e se tornou a música diáfana escolhida a dedo para embalar o momento crucial de casamentos e outras cerimônias em templos de diversas fés. Nunca deixou de ser uma música judaica, mas encanta todo o mundo e é um legítimo hino ecumênico da espiritualidade que leva as pessoas às lágrimas.
E é aqui que se iguala a Jerusalém e ao Antigo Testamento.
Comecemos pelo Antigo Testamento. Esse nome foi dado pelo cristianismo para diferenciar do Novo Testamento, a “Bíblia cristã”. Para os judeus, o “Antigo Testamento” é a Bíblia sem sobrenome, o Tanach, que são os cinco livros do Pentateuco (a Torá) e dois outros. A questão é que o chamado Antigo Testamento é a base de todas as religiões monoteístas, mas, evidentemente, é judaica. É a “Bíblia Hebraica”, dizem.
De todos e judaica.
E Jerusalém?
Vamos falar de Jerusalém, a cidade fundada pelo Rei David, que não é “uma das” cidades sagradas do judaísmo; é A (maiúscula proposital nesse artigo definido) cidade sagrada do judaísmo. É a inequívoca capital do povo judeu, onde tudo começou. Mesmo que você seja um tarado leviano “antissionista” que ousa tirar do povo judeu o direito de ter ligação com o seu lar, não adianta, isso está escrito em todos os textos, em todos os lugares. Há milênios, os judeus rezam voltados pra Jerusalém, o que não deixa de ser uma forma de sionismo, ainda antes de haver o conceito de Estado-nação. Você percebe quão profundo é isso?
Então, costumo sustentar: o judeu, necessariamente, é sionista.
É quase impossível ser judeu não sionista, porque o sionismo vai muito além da política comezinha de figuras por vezes miúdas.
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Alleluya é necessariamente uma música judaica, de um Cohen.
O “Antigo Testamento” é necessariamente a Bíblia hebreia.
Jerusalém é necessariamente a capital dos judeus, mesmo que um dia a parte oriental se torne a capital da Palestina e ainda que você leia nos jornais “Tel-Aviv” quando se referem a algum ato do governo por não quererem repetir a palavra “Israel”.
Não adianta. Mesmo com dezenas de campos de extermínio nazistas e milhares de foguetes assassinos jihadistas, o judaísmo e o povo judeu estão tatuados na testa da civilização humana.
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Sem sair muito desse assunto, é exasperante ver um sujeito dizer sob aplausos, em plena UFRGS (a minha faculdade), que a reação de Israel ao pogrom de 7/10 é o maior “genocídio” já ocorrido. Lamento a guerra e sou contra qualquer violência. Mas, pra começar, genocídio é a matança deliberada, em massa, com o objetivo de dizimar um povo. O fato que deu origem à palavra “genocídio” foi a execução industrial de 6 milhões de judeus pelo fato de serem judeus, com o objetivo declarado de erradicar um povo (que é a intenção do Hamas hoje, inclusive). Neste momento, o que Israel faz (e acho legítimo o debate sobre a intensidade) é a reação a um pogrom devastador que teve estupros, degolas, cremações, sequestros pelo objetivo único de matar, com os caras gravando e se orgulhando do “feito”. O sujeito não só compara o incomparável; ele diz que a reação israelense é pior que a monstruosidade do Holocausto, do qual havia muitos sobreviventes recentemente aqui entre nós. Pessoal, por muito menos, outras minorias reclamam que alguma fala ou algum episódio é preconceito. Qual tipo de alucinógeno ou máscara impede que muitas pessoas (desgraçadamente, muitas!) enxerguem o grau elevadíssimo de antissemitismo que estamos vivendo?
Em vez de aplaudido na UFRGS, esse cara deveria ser algemado.
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Neste sábado, estarei em Florianópolis tendo meu quinto encontro com Paul McCartney (o sexto encontro com um beatle, porque também já fui a show do Ringo), um dos maiores artistas da história humana em todas as manifestações imagináveis, não só da música. Com seus três eternos parceiros, é o maior gênio da música rock & pop.
Diante das limitações de voos provocadas pela cheia em Porto Alegre, eu e seis ex-colegas de colégio (veja só! Todos nós dobrando a esquina dos 60 anos e fazendo desse momento toda uma celebração à vida, alugamos uma van e lá vamos nós. Certamente vou chorar como sempre, porque isso é inevitável. E vejo e revejo a cena dele, agora no Yom Kipur, indo a uma sinagoga em Santiago do Chile, em meio à turnê. Paul tem o hábito de se casar com judias (a começar pela saudosa Linda Eastmann) e até já cogitou se converter ao judaísmo. Nesse peito beatle que revolucionou o mundo e lhe deu a sua mais bela trilha sonora, o hino Alleluya, a Bíblia Hebreia e Jerusalém têm o lugar que merecem: o da enlevação humana pela civilização e contra o obscurantismo com as trevas que alguns sedizentes “humanistas” e “progressistas” (sic) defendem e apoiam.
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Paul sempre soube das coisas.
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Como diria o eterno David Gilmour, do alto da sabedoria que identifica canalhas à distância, “chupem Rogers Waters” (o próprio e seus idiotas assemelhados)! Vocês são uns hipócritas e levianos que se associam ao atraso que julgam combater.
(Entre eles, estão o monstro que falou merda na UFRGS e o gado canhoto que o aplaudiu, fazendo coro à barbárie)
Será uma noite de sábado pra gritar “aleluia” no estádio da Ressacada, com a ilha recebendo em suas cálidas águas a magia do submarino amarelo nesse beauty and mystery tour.
Semana que vem, conto pra vocês como foi a aventura. Pretendo escrever a minha próxima coluna sobre o “show dos shows”.
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E, já esperando a bênção do meu maior herói, eu desejo a todos nós, como faço semana após semana: shabat shalom!
Foto da Capa: leonard Cohen, em Tel-Aviv, em 24/08/2009 / Reprodução do YouTube
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