Escrevi um livro com as entranhas. Hmmm. Se pensar bem, nenhuma novidade. Jornalistas, como eu, quando se metem a ser autores de livros, põem no papel ou na tela do computador toda uma inquietação, a mesma que o levou à escolha do ofício.
Acredito muito nesse lance de vocação, de dom. O meu guru eterno, de sempre e para sempre, o filósofo racionalista Spinoza, que me aproxima da fé, numa aparente contradição, já avisava: atender à natureza do dom é respeitar um direito divino.
Logo, eu, na mais radical observância da regra do eu-tu (de Martin Buber), me envolvo com a alma na urgência de informar, esclarecer e combater a desinformação. Quando entra em campo a identidade, essa urgência vira urgentíssima.
Agora que está escrito e editado, com a atenta e qualificada atuação da editora SlerBooks (e do meu querido amigo Luiz Fernando Moraes), o livro será lançado para o público em geral. E eu peço, na maior cara dura: venham ler o que escrevi!
O lançamento de “A Cronologia do Alef Bet, o abecedário judaico contra a ignorância e a maldade do antissemtitismo” será no próximo dia 23 de julho, das 18h30 às 20h no Café Cultura, Av. 24 de outubro, 1454, Pátio 24, em Porto Alegre.
O livro, de 256 páginas, traz 30 ensaios escritos originalmente aqui na Sler. Claro, sendo um livro, o material é empacotado de forma diferente, tem prefácio, introdução e até um epílogo de luxo com a letra de “Neighbourhood bully”, do Bob Dylan.
Mais que um livro e que o exercício jornalístico em altíssima dosagem, este trabalho é toda uma missão de vida. Merece chegar nas pessoas, merece ser consumido, fazer com que entendam o seu conteúdo e removam preconceitos.
Escrevi para ser eficaz, com um propósito radical de informar, sem deixar pontas destapadas e ir fundo nos assuntos. Permitam-me que atinja meu objetivo, porque dele depende não apenas o emissor (autor), mas também o receptor (leitor).
Por favor, leiam “A cronologia do Alef Bet”! Leiam a inquietação de um judeu que, em especial depois do pogrom devastador do 7/10 em Israel, viu sua identidade ser revirada ao avesso por discursos antissemitas revestidos de boas intenções.
Por favor! Leiam e nos entendam!
Uma curiosidade: este livro está sendo lançado no mês em que completo 60 anos. Este número, 60, é forte. É o que antigamente representavam os 40, com todas as reflexões que originava e toda a crise existencial que provocava. É o meio do caminho.
É interessante essa coincidência. É, sim, uma coincidência, mas não aleatória. Creio que, neste momento da vida, a sabedoria e o conhecimento acumulados imploram para serem usados, e o seu uso implora para ter significados edificantes e úteis.
É, 100%, o caso.
Espero vocês!
Aqui, os primeiros parágrafos:
…
“Este livro é um grito angustiado diante do antissemitismo manifestado em suas modalidades expressa e estrutural, aquela em que o agressor é, sem se dar conta ou até negando ser. É um trabalho que tem origem na vasta literatura judaica e, muito em especial, naquilo que certamente a alimenta: a necessidade de expor valores edificantes e defender a vida. O rabino Hillel, o “sábio dos sábios”, cunhou dois aforismos que se completam e resumem o que vem a seguir. Um deles, ele disse ao ser instado a resumir a Torá apoiado em uma perna só (ou seja, de forma rápida). “O que é odioso para ti, não faça a teu próximo: esta é toda a Lei; o resto é mero comentário”, ele respondeu (em resumo, não faças ao outro o que tu não queres que façam a ti). E outra ótima frase dele é: “Se não eu por mim, quem por mim? Se eu for só por mim, quem sou eu? Se não for agora, quando?”
Durante a resistência francesa ao nazismo, em 1943, Jean-Paul Sartre escreveu Reflexões sobre a questão judaica, livro em que sustentava a importância de os judeus tomarem as rédeas da sua narrativa, para, do seu lugar de fala (expressão atual), esclarecerem o público amplo sobre a sua essência e combaterem a ignorância do preconceito. Estava claro para o filósofo existencialista que os judeus precisavam se manifestar e que, caso não o fizessem, deixariam sua história ser contada mal ou maliciosamente por aqueles que não têm a propriedade de fazê-lo ou, no pior dos mundos, por aqueles que têm a propriedade de fazê-lo leviana, destrutiva e maldosamente.
Dito isso, é inescapável concluir que Hillel foi existencialista muito antes de essa doutrina filosófica ser nomeada. E, de certa forma, o livro que você lê agora tem um literal apelo existencialista. Foi inspirado pela necessidade existencial de gritar alto: um atentado terrorista crudelíssimo e devastador, um pogrom em pleno século 21, não pode ser pretexto de desconstrução da vítima, mesmo que questionemos o excesso da reação do Estado nacional que a representa, acolhe e protege (esse debate é perfeitamente legítimo, ressalve-se). Desde o 7/10, a coleção de absurdos destapados de uma cloaca com odor insuportável tornou o ar irrespirável. E o grito se tornou crescentemente necessário. Fui tomado de uma urgência: a de pôr a identidade acima de ideologias e, às vezes, até cortar na própria carne (a leitura a seguir fará você entender).
Em resumo, este livro é consequência do 7/10, do que claramente já existia antes (faltava o pretexto para se expor) e do que veio depois na forma de um antissemitismo assustador e exasperante na sua negação. Como jornalista que há exatos 10 anos me dedico a escrever reportagens em livros que tratam de diversidade, respeito às diferenças e combate à desinformação, esse caminho foi natural. Era impossível pensar em outro assunto. A vida parou depois do 7/10. E este conjunto de colunas semanais publicadas na plataforma Sler foi uma consequência natural, nos aspectos subjetivo e objetivo. Foi uma construção necessária, que me tomou pela mão, e o resultado é este empacotamento de ensaios.”
…
Shabat shalom!
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