O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito por uma aliança tácita entre forças democráticas, de esquerda, centro-esquerda, centro e centro-direita (ou “direita civilizada”, que defende uma pauta ideológica, mas não a ditadura militar, por exemplo), para varrer do país o absurdo inadmissível que é o bolsonarismo, o nome do fascismo verde e amarelo. Era essencial montar uma equipe plural e de alto nível. E os primeiros sinais foram promissores, apesar da presença de figuras sinistras como o Paulo Pimenta, polêmico mesmo dentro do PT.
Era essencial a noção de que 30 de outubro, o da vitória civilizatória no segundo turno das eleições presidenciais, deveria marcar um início, e não um fim. O trabalho seria árduo a partir da posse. Primeiro, a remoção do entulho fascista e ignorante deixado por assessores inacreditáveis de um presidente inadmissível. Tudo parecia ir relativamente bem.
Até que a Marina Silva, todo um símbolo na área ambiental, foi esvaziada.
Até que se cogitou o absurdo de indicar o próprio advogado pessoal pro STF.
Até que apareceu o inacreditavelmente tosco Nicolás Maduro, recebido com honras e desagravos a suposto “preconceito” contra o autoritário regime venezuelano.
Vou me deter no Maduro, porque asseguro que poucas pessoas no Rio Grande do Sul conhecem esse sujeito como eu conheço. Na década passada, eu fiz quatro reportagens de fôlego na Venezuela. Eu vi! Eu conheço! Eu sei do que estou falando. Apesar de alguns sinais só em tese solidários no seu jeito de governar, Maduro é alma gêmea de Bolsonaro. Sabe como são chamados seus seguidores e ele próprio? Patriotas. E o jeito de governar é semelhante, até com a truculência, o desrespeito à imprensa e ao Judiciário e o uso de milícia.
A defesa de Maduro é um erro inadmissível. É uma aberração definir como “narrativa” a cooptação de todos os Poderes venezuelanos, a censura na cara dura, a miséria desesperadora e as filas de sete horas sob sol caribenho para comprar a farinha de milho da arepa. Não é narrativa, presidente Lula. É fato! Não tem subjetividade nisso. Eu vi com meus olhos.
Numa das vezes em que retornei da Venezuela, ouvi um líder importante do MST, que esteve em Caracas, dar entrevista dizendo que não há filas na Venezuela. Opa! Levei um susto. Como é impossível ignorar aquelas jiboias dando voltas nos quarteirões, com gente morrendo de insolação, a minha inescapável conclusão é de que o sujeito, na entrevista, mentia.
É feio, pessoal.
E péssimo para quem vê neste governo a oportunidade de retomada do país.
Por favor, presidente Lula! Entenda sua missão histórica. Os erros resultantes de sectarismos e dogmatismos da esquerda precisam ser evitados. Até o presidente do Chile, o Gabriel Boric, lhe chamou a atenção para tamanha derrapada. E receber Maduro é um erro sério. Faço uma ressalva importante. Receber figuras como Maduro e principalmente o iraniano Ahmadinejad (muito pior!), como já ocorreu, é ruim. Mas o presidente anterior do nosso país era o equivalente ao Maduro e ao Ahmadinejad. Em resumo: muito pior do que receber o Maduro é ser equiparável ao próprio Maduro. Assim como presidentes do mundo civilizado não queriam receber Bolsonaro, o nosso atual presidente não pode receber figuras similares.
Volta e meia defendo sua postura diplomática inclusive quanto à delicada questão israelo-palestina. Opositores de má vontade procuram maniqueísmos onde não existe. Tem um vídeo lindíssimo seu disponível na internet discursando no Knesset (o parlamento israelense) e defendendo explicitamente e sem lugar a dúvidas a coexistência pacífica dos Estados judeu e palestino. Sei que tem figuras (uma do governo brasileiro já citada aqui e inclusive o próprio troglodita líder venezuelano) na esquerda disfarçando o antissemitismo com o verniz suposta e erradamente “humanista” do “antissionismo”, contra a existência de Israel e seu direito de autodeterminação e autodefesa. Sei que o senhor defende a legitimidade de Israel ao mesmo tempo em que defende o Estado palestino. Logo, minha crítica se embasa no bom senso, e não em alguma má vontade. Por favor, presidente: Maduro, não!
Deu para entender?
E vem a parte mais grave: erros desse tipo alimentam a munição de pessoas que estão na fila do gargarejo esperando qualquer vacilo para reavivar o bolsonarismo. Presidente, entenda a importância que tem o exercício de um governo progressista, humano e impecável.
O futuro do país depende disso.
Shabat shalom
Foto da Capa: Marcelo Camargo / Agência Brasil