Você ainda se espanta quando aparece um ministro contra a Cultura reproduzindo estéticas e até textos nazistas em rede nacional? Você ainda fica de boca aberta quando uma funcionária da área financeira do desgoverno federal no recente quadriênio quadrúpede é flagrada em vídeo dizendo que fracos e idosos morrerem pela pandemia beneficia a previdência (eugenia sem possibilidade de dúvidas, em nome da economia!)? Você ainda se assusta quando sabe dos índices alarmantes levantados pela falecida (e saudosa) Adriana Dias sobre o número de células nazistas no Brasil Varonil, em especial no Texas Tupiniquim profundo? Você renega a informação comprovada de que o ex-presidente e líder dos quadrúpedes tinha nesses nazistas uma base importante, com a qual se comunicava expressamente? Você acha irrelevante a homenagem a torturador e a defesa de fuzilamentos? Você ainda tem como irreais e inofensivos todos os absurdos que ouvimos e vemos diariamente, numa sequela do quadriênio autorizador, com defesas do nazismo, do fascismo e da negação das minorias e do diferente?
Em que mundo você anda?
As tragédias em escolas são violências desesperadoras, mas, por favor, não se surpreenda.
Estava e está tudo muito anunciado.
Se bobear, a gente tropeça nesses monstros.
Fique atento.
Aconteceu comigo.
Eu caminhava tranquilamente com meu cãozinho quando encontrei um vizinho com o qual nunca tinha conversado. Bermuda, camiseta, cabelos brancos, óculos. Imagem corrente.
O diálogo começou bem até demais. Nossos cãezinhos se cheiravam as intimidades e confraternizavam uma inocência com a qual faço questão de compactuar.
E o sujeito comentou:
_ Como os cães são melhores que os seres humanos! São puros! O ser humano é mau. Os cães nos dão um amor incondicional, sem esperar nada em troca. Prefiro muito mais conviver com os cães do que com os seres humanos, que são perversos e biriri, bororó.
Curti. Concordei, inclusive. Aí perguntei: “Qual a tua formação?”
_ Sou autodidata, um observador da vida. A principal característica do ser humano é a observação, e eu faço muito isso. Sou muito observador.
Até aí, eu pensava “olha só, que cara interessante”.
Aí o caldo começou a entornar. Continuou:
_ Sou observador e não abro mão das minhas convicções. Rompi com a minha filha que é cientista e estuda na França. E não me arrependo! Rompi, mesmo, e não quero conversa! Pra ela, a ciência é soberana na explicação da vida. Eu defendo a observação.
Opa! Sinal de alerta ligado.
Romper com a filha me parece algo incompatível com o alardeado amor pelos bichinhos. E, enfim, desprezar a ciência é uma prática que resultou inclusive na ignorância dos efeitos da vacina e, provavelmente, em centenas de milhares de mortes evitáveis pela Covid.
A conversa continuou. Eu já desconfiado daquele sujeito bem-posto.
Outra coisa. Ele falava sem parar e não me deixava comentar, ponderar e muito menos contestar suas verdades, entre elas possivelmente o terraplanismo, já cogitava eu.
Comecei a observar o cara de forma mais detida.
Quanta maluquice traduzia aquela gesticulação toda, aquela verborragia incontida.
Aí, ele me perguntou:
_ Qual a tua profissão?
_ Jornalista.
_ Ah, o jornalismo está num péssimo momento. Mente muito!
Gritei pra conseguir ser ouvido:
_ Mas o jornalismo é essencial e tem feito um trabalho notável de certificar as informações verdadeiras. Isso é essencial. Veja bem, como tem coisas ruins por aí. O racismo…
_ O racismo?! _ cortou o sujeito. _ O racismo é outro assunto que acho interessante ver bem o outro lado. Tu sabe onde começou o racismo?! Sabe?! Sabe?! Posso te dizer.
_ Nem ideia. Diga.
_ Pois eu te digo! Começou lá no Talmudi (sic), com os judeus…
Aí, a luz amarela se enrubesceu, e eu cortei e prosa.
_ Olha, tenho que voltar pra casa. Meu cãozinho já passeou bastante, e tenho um compromisso urgente. Preciso ir embora.
_ Olha amigo, perdão se te ofendi. Não tenho nada contra jornalistas, viu?
_ Espero que também não tenha nada contra judeus _ fulminei, com as palavras e o olhar.
O filho da puta ficou me olhando com cara de tanso, uma interrogação grudada na testa.
Vi ele e seus inocentes cãezinhos outras vezes nas redondezas. Atravesso a rua, sempre que isso ocorre. E percebo que sua testa continua com aquela interrogação.
Na minha, só tem uma enorme exclamação!
De muita raiva.
Fica a dica: o mal pode estar na esquina da sua rua. Preste atenção.
E shabat shalom!
Foto da Capa: gerada com ferramenta de IA do Canva.com