Não tem como achar aceitável e razoavelmente crível que, na iminência de se completar 10 anos, a morte do procurador argentino Alberto Nisman, em 18 de janeiro de 2015, ainda seja um mistério. Os fatos em si são uma coleção de indícios fortíssimos de que o que ocorreu foi um assassinato, provavelmente uma queima de arquivo típica de ações mafiosas, envolvendo serviços de inteligência e altos interesses internos e externos.
Nisman iria tornar público, em depoimento no Congresso, no dia seguinte, todo o seu arrazoado sobre o suposto encobrimento do terrorismo islâmico pelo governo argentino em conluio com o governo iraniano, quando eis que seu corpo aparece com um tiro na própria cabeça.
Morte providencial, não?
Entre outras estranhezas, estava até a prosaica lista de compras do supermercado para o dia seguinte. Suicida faz lista de compras pro dia seguinte? Lembrando: Alberto Nisman investigava o atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1994, que resultou em 85 mortes e se somou ao atentado contra a Embaixada de Israel, em 1992, que deixara 29 mortos.
Também lembrando: os dois atentados, ocorridos há mais de 30 anos, são eles próprios um absurdo mistério. Por algum motivo, os autores continuam intocados. É como se as bombas genocidas desses facínoras fossem autônomas, tivessem se explodido em autogestão.
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Agora, em 22 de dezembro de 2024, quase se completando uma década de mistério e impunidade, o procurador Eduardo Taiano pediu ao juiz Julián Ercolini algo de necessidade desconcertantemente óbvia: que o secretário de Segurança da época, Sergio Berni, seja finalmente imputado pelas irregularidades na cena do possível assassinato (ou do suicídio muito estranho). As forças de segurança descumpriram protocolos básicos na cena do crime, no apartamento de Alberto Nisman e no banheiro, onde seu corpo foi encontrado. Perceba: as autoridades descumpriram protocolos, houve interferência no local.
Constrangedora e assustadoramente estranho.
E lá se vai uma década de angústia das famílias.
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Vamos rememorar?
Em julho de 1997, o procurador federal argentino Alberto Nisman se soma à investigação do atentado terrorista contra a AMIA, ocorrido exatamente três anos antes.
Em 14 de janeiro de 2015, Nisman denuncia a presidente Cristina Fernández por suposta negociação destinada a encobrir iranianos suspeitos de autoria.
Em 18 de janeiro de 2015, Nisman é encontrado morto em seu apartamento, com um tiro na cabeça, um dia antes do depoimento que daria no Congresso.
Em 21 de janeiro de 2015, fica-se sabendo que o secretário federal de Segurança, Sergio Berni, esteve no apartamento de Nisman antes do juiz e dos peritos.
Em 10 de fevereiro de 2015, a Justiça anuncia que encontrou um DNA diferente do de Nisman no apartamento onde ele foi encontrado morto.
Em 25 de fevereiro de 2016, o procurador federal Ricardo Sáenz apresenta uma documentação em que assegura que Nisman foi assassinado e pede que se investigue.
Em 29 de dezembro de 2016, a Câmara Federal de Cassação Penal ordena que se investigue a denúncia de Nisman contra Cristina Kirchner por encobrimento.
Em 1 de junho de 2017, a Câmara Federal confirma que a morte de Alberto Nisman ocorreu por homicídio, e não pelo suposto suicídio, tese sempre vista com estranheza.
Dez anos depois, o caso segue em aberto.
Absurdamente em aberto!
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Shabat shalom!
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Foto da Capa: Fabian Marelli / El Nacion