“A cronologia do Alef Bet – O abecedário judaico contra a ignorância e a maldade do antissemitismo”, livro que estou lançando pela SlerBooks, é muito especial, e vejo que seu conteúdo e sua missão foram entendidos por pessoas que a vida inteira admirei pela visão radicalmente progressista e independência intelectual impermeável a influências modistas e levianas desprovidas de reais generosidade e empatia.
No dia seguinte, eu fui às redes sociais, ainda comovido pela noite anterior e escrevi: “Cenas de uma noite mágica! Livro abençoado!”. E continuei: “Me comovo demais ao lembrar que a primeira pessoa a chegar foi o único, inigualável, queridíssimo amigo Jair Krischke, que ficou sentado comigo a sessão inteira. Nunca esquecerei, Jair! O significado disso pra mim é literal: o Jair é a nossa maior referência em direitos humanos, um cara que, além de meu amigo, é um herói. E não quero citar muitos nomes pra não ser injusto. Mas abro outra exceção: o carinho do Marcos Rolim, outro querido amigo, foi muito especial. É outro lutador abnegado e maravilhoso na área de direitos humanos, e é disso que trata o livro. E a doce amiga Lelei Teixeira, que tanto já me ensinou sobre respeitar as diferenças e buscar a empatia que a invisibilidade de algumas minorias requer, sobre a urgência de um olhar sempre atento? A amigona Judith Scliar e o também queridíssimo amigo Wremyr Scliar puseram o Moacyr, uma das maiores referências da minha vida (“O centauro no jardim” talvez seja o livro que eu citaria se me pedissem o número 1), ali conosco. Eu os cito pelo simbolismo. A lucidez e a inteligência do querido parceiro e amigo Abrao Slavutzky, especialista em enxergar a nossa alma, o talento absurdo do xará amigaço Leo Henkin, que me traz a arte pura da música que eu amo. Paro por aqui, porque, puxa, se me estender vou ser injusto ao deixar de citar pessoas especialíssimas da minha vida que estavam ontem comigo. Noite divina! As imagens dizem tudo. Inesquecível!”
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Já tive experiências boas e ruins com lançamentos de livros. Dez anos atrás (13 de maio de 2014), lancei “Coligay: Tricolor e de todas as cores”. Foi na Livraria Saraiva do Shopping Praia de Belas. Sem brincadeira, autografei 200 livros. Isso é uma enormidade. Depois houve outros eventos marcantes. Autografei, ao lado do meu queridíssimo amigo Roger Machado (hoje treinando o Internacional), o livro “Somos azuis, pretos e brancos”, cujo conteúdo traz inquietações sobre falsas narrativas e imaginários na área do futebol, algo que mobiliza as pessoas, porque o futebol tem disso: cria identidade e provoca paixão. Aquelas três horas ao lado do sempre ídolo Roger, assinando mais de cem livros, consolidou uma firme amizade sustentada por afinidades na visão de mundo e no temperamento.
E assim por diante. Citei experiências boas.
Mas, então, se é “por diante”, vamos adiante.
O livro que estou lançando fala de uma minoria, a minha minoria: a judaica, que claramente paga o eterno preço de ser uma minoria numérica, o que implica poucos votos numa eleição. São tantas informações que o livro traz, são tantos esclarecimentos necessários, tantas desconstruções de desinformações culposas e dolosas, que, vendo aquilo que ali é combatido, concluo ser muito mais cômodo uma pessoa ignorar o assunto, olhar para o lado e ficar de bem com os companheiros ideológicos que surfam na onda mainstream de demonizar o sionismo, Israel e o povo judeu. É mais fácil seguir o fluxo.
Por isso, receber o carinho de figuras especialíssimas como o Jair, o Marcos e também a minha adorada amiga Suzana Lisboa (que teve um motivo poderoso para não estar no evento) reforçam em mim uma qualidade que tenho, sim: um misto de consciente inocência (“pureza”, me corrige o querido amigo Carlos Josias) e valentia. Essas pessoas intelectualmente diferenciadas, de enorme honestidade intelectual e valentia imune a pusilanimidades (e posso tranquilamente incluir aqui outro amigo incrível, o David Stival, que só não foi porque estava em viagem), reforçaram a minha certeza do caminho certo.
Citei pessoas que estavam ausentes e me apoiam. Também poderia citar outras que estiveram antes, no pré-lançamento que o livro teve na sinagoga União Israelita (já me falaram em ir a outras sinagogas e entidades judaicas falar no livro, e eu topo todas! No União, eu fui porque os queridos Deivi Trombka e Rogério Friedman mantêm uma agenda cultural e manifestaram interesse). Logo, não quero, em listas, cometer injustiças.
Mas o fato é que você jamais verá o Jair, o Marcos, a Suzana, o David e outros, pessoas de viés verdadeiramente progressista e isentas de sectarismos e dogmatismos, empunhando a bandeira de um grupo terrorista que estupra, executa, degola, sequestra e ainda se orgulha disso. Quem justifica o Hamas e se alia aos aiatolás misóginos e homofóbicos, mesmo que bata no peito se dizendo “humanista” e “esquerdista”, flerta com a pior e mais obscurantista das extremas direitas. É como apoiar o nazismo.
Foi reconfortante para mim, que tive a presença recentemente vetada num programa de extrema direita da minha comunidade (sim, fui vítima de censura, mas, enfim, essa é outra conversa; os responsáveis por tal programa não são jornalistas, e é normal que não façam jornalismo e que reneguem algo que deveria ser do maior interesse – o meu livro – ao mesmo tempo em que admitem comentários constrangedoramente inadmissíveis), foi muito reconfortante, portanto, estar com a minha turma. Com gente, judia ou não judia, que olha para a frente e para os lados. Com gente que enxerga o outro. Com gente que, seja qual visão socioeconômica tiver (respeito a todos), compreende a nada sutil lógica de que negar ao povo judeu o seu legítimo e sagrado (no sentido laico) direito à autodeterminação no seu lar ancestral é antissemitismo, porque ignora todo o sofrimento na diáspora. A todas as pessoas e muito em especial ao meu querido amigo e editor, o Luiz Fernando Moraes, deixo minha gratidão e meu esclarecimento.
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Um cara que esteve lá e também me alegrou a alma foi o incrível Carlos Nelson dos Reis, outro amigo que adoro. A história do Carlos é impressionante. Ex-menino de rua, hoje é um baita economista, professor na PUC. O saudoso jornalista Jayme Copstein fez um programa fantástico na Rádio Gaúcha, que contou a história do Carlos de forma criativa e emotiva. O programa esse ganhou os maiores prêmios que a Rádio Gaúcha já teve. Fiz a biografia do Jayme e me tornei amigo do Carlos.
Sobre a Sula
Na mesma noite em que eu autografei esse livro, meus amigos colorados, poucas horas depois, amargaram uma desclassificação dolorosa na Copa Sul-americana, a “Sula”.
Como consolo a eles e notadamente desprovido de qualquer despeito que eu poderia ter por ser gremista, eu voltei, até como forma de consolo, a repetir uma muito antiga convicção.
Sair da “Sula” pode ser importante no contexto, porque o clube já está há muitos anos sem títulos relevantes (e a “Sula” acaba sendo empacotada como título relevante), e esse torneio dá visibilidade, dinheiro e classificação para a Libertadores do ano seguinte. Mas vamos lá, pessoal. Essa copa é uma aberração.
Veja bem: no ano passado, o Boca Juniors teve o mérito de chegar às finais da Libertadores, o título continental. A equipe derrotada, ficou com o vice-campeonato e com a sensação amarga do fracasso. Ao mesmo tempo, a LDU conquistou a Sula, deu volta olímpica e apareceu como um time altamente vencedor.
Quem participa da Sula? Os times que ficaram abaixo do quinto ou sexto colocado nos seus torneios nacionais (times com campanhas medíocres e ruins) e apenas os que caem fora da Libertadores na primeira fase, “fase de grupos”. Se avançam um pouco mais na Libertadores, já não ganham o “prêmio” de jogar a Sula. Logo, é uma competição que premia o demérito.
Pra mim, que sou fã do que é justo e do futebol com seus lindos apelos passionais, esse tipo de torneio macula a busca do mérito no esporte de competição. É um contrassenso. Banaliza os torneios continentais. Aí você dirá que há algo parecido na Europa. Ora, e daí? Também está errado. E você perguntará: se o teu time ganhar, tu vai vibrar? Vou, porque vibro até com o irrelevante regional, mas jamais vou “tomar todas” na Goethe.
A tal da Sula não devia existir ou deveria ter explicitamente o nome correto, o de “série b continental”. E bola pra frente.
Shabat shalom!
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Foto da Capa: Divulgação
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