Estamos nos trumbicando no momento em que nunca tivemos tantos recursos tecnológicos para nos comunicarmos bem. Evidentemente, quem tem mais que 40 ou 50 anos sacou que me inspirei no bordão “Quem não se comunica se trumbica”, do saudoso Chacrinha.
Estamos nos comunicando pessimamente, e esse assunto é mais amplo e complexo do que talvez você tenha percebido. Como jornalista profissional que ama a sua profissão, tenho refletido sobre esse assunto. Lancei no finzinho do ano passado o livro “Revolução digital na Copa da França” (AGE), que trata desse tema, porque tive o enorme privilégio de ser enviado pela Folha de S. Paulo (jornal em que trabalhei durante quase um terço da minha vida profissional) à Copa da França, cobrindo pioneiramente o evento em tempo real. Foi a esquina desse caminho.
Nos últimos dias, deparei com outras reflexões sobre o assunto.
Em 28 de fevereiro, meu querido amigo Carlos Gerbase escreveu uma das suas inspiradas colunas em Zero Hora sob o título “O monstro que vomitava chumbo”. Tratava disso. No domingo passado, o enorme Antônio Prata (pra mim, o maior cronista brasileiro da atualidade) escreveu na Folha uma coluna sobre o esvaziamento da dramaturgia da Globo, algo de que todo brasileiro deveria se orgulhar. E ele finalizava assim: “Que o futuro da teledramaturgia brasileira não possa ser o passado da Globo, ok. Talvez isso seja até bom, a médio e longo prazo. Agora, que o caminho inexorável seja o de uma ‘república das bananas’ e que a Globo deva entrar nesta uberização como se fosse ‘adequar-se aos novos tempos’ é não só contestável como profundamente danoso. Para quem faz e para quem assiste televisão no Brasil.”
…
Vamos começar pelo que o jornalismo exige: a proximidade temporal dos fatos. Estou acompanhando desde terça-feira uma disseminação fake que acabou viralizando e provocou ruídos (cumprindo seu objetivo, afinal). Tentam pegar o triste problema de saúde do jogador Lucas Leiva pra dizer que a vacina provoca problemas cardíacos e espalhar ignorância anticiência. Quando ouvi o tal áudio, conversei com meu amigão de infância Leandro Zimerman, cardiologista do Lucas Leiva (ídolo meu e do Leandro), sobre isso. Que absurdo! O que pode ocorrer numa situação dessas é o oposto. Atleta contrai o vírus de forma assintomática (normal), e o vírus provoca alguma sequela cardíaca sem que se possa precisar a origem. E não a vacina, pô!!! Algum sem-vergonha disse absurdos num áudio, jogou no whatsapp, e estão divulgando o sujeito como sendo “médico do Grêmio”. Copio aqui a nota do Marcio Dornelles, médico do Grêmio, que inclusive já fez BO (Boletim de Ocorrência). Tomara que localizem a origem dessa bandidagem viralizada.
Mas, como eu disse antes, o assunto é amplo. São várias as formas de comunicação, e são cada vez mais variados seus canais.
A tecnologia avança, mas isso não necessariamente se reflete na nossa vida cotidiana. Como toda tecnologia, a das comunicações pode ser bem ou mal-usada. O exemplo mais notório e famoso desse dilema tecnológico é o da energia nuclear, que pode ser usada pra vida ou pra morte.
Você não estranha que nos anos 1980, se seu time de futebol estivesse jogando uma decisão fora de casa, era só ligar a TV aberta e ver o jogo? Hoje, você precisa pagar a TV a cabo e, dentro da TV a cabo, pagar o Premiere. Ora, é o obstáculo dentro do obstáculo, como uma cebola.
De chorar!
Outro dia, tinha uma situação irregular no trânsito, que atrapalhava a todos em nome das liberdades individuais de uma figura muito espaçosa. Liguei pro telefone do setor responsável da prefeitura que supostamente atende urgências. “Se você quer isso, tecle tal número, se você quer aquilo, tecle outro número, se você quer aquele outro, novo número…”
E o telemarketing invasivo? Você esperando um telefonema importante, talvez até uma urgência referente à saúde (aconteceu comigo), toca o telefone CELULAR (altamente pessoal), e vez a voz “booooom, diaaaaa! É o Léo Greishon? Falo sobre aquele dinheiro que estamos lhe disponibilizando a juros muito favoráveis, só pra você e…” Desligo na cara.
São infinitos os exemplos pra mostrar como estamos nos comunicando mal, apesar e até por causa das novas tecnologias.
Mas vamos ao jornalismo e ao entretenimento.
Citei acima alguns textos. Tem também ótimos filmes tratando do tema.
O jornalismo passa por um enorme dilema que se transforma num triste paradoxo. A imprensa precisa mostrar que é o trigo em meio ao joio das fake news no espaço infinito e impune da internet. Mas as empresas jornalísticas precisam lucrar, e o lucro vem do imediatismo da audiência. Hmmmm. Tem boi nessa linha. A audiência imediata geralmente não é atraída pelo conteúdo profundo, pela boa análise e pela interpretação responsável dos fatos. E o jornalismo precisa justamente do conteúdo profundo, da boa análise e da interpretação responsável dos fatos. O futuro do jornalismo está no papel certificador. O cara ouve uma loucura na internet (tipo o suposto médico atribuindo um rumoroso problema cardíaco à vacina) e procura os sites jornalísticos pra checar a veracidade. Lá estará a explicação e o eventual desmentido da leviandade.
Mas aí o que ocorre? Cada vez mais as empresas dão vazão ao lixo das redes sociais. Complica muito quando um animador de auditório, por vezes irresponsável, se diz jornalista apesar de não fazer jornalismo, mesmo em tese sendo formado e tenha certa trajetória pregressa. Mas faz todo o roteiro que a torcida pede (sim, o futebol é o grande nicho dessa tristeza), mesmo que peque pela desonestidade, e ganha centenas de milhares de seguidores. Aí as empresas pensam: oba, vamos incorporar os seguidores do sujeito; ele é “influencer” nas redes. Bah! Pobre do jornalismo. O número de seguidores acaba sendo o critério pra dar espaço ou até contratar o animador de auditório muitas vezes leviano e desonesto. Ou, também, na suposta polarização entre a civilização e o fascismo (convenhamos: o bom jornalismo defende a civilização), a opção é pelo “isento”. E dê-lhe espaço pra bunda-moles e sabonetes inodoros. E tem também aquele que possivelmente seja o tipo mais hipócrita e perverso: o falso isento.
Não é por aí, pessoal. Esse troço vai acabar mal.
Depois estranham que as pessoas, com o passar do tempo, largam de mão. Claro! O público quer seriedade, posições firmes e credibilidade.
Enfim
Outro fenômeno interessante. Você se lembra da TVCOM? Que saudade da TVCOM! Onde você acha algo semelhante? Fui diretor de jornalismo da TVE, a maravilhosa TV pública (o publisher da SLER, o Luiz Fernando Moraes, era o presidente e até hoje é meu querido amigo). Que barra foi a tentativa de manter o jornalismo na nossa TV. No fim… o fim. Poderíamos ter programas deliciosos sobre assuntos locais. Foi-se. E temos a alta tecnologia, que supostamente favoreceria esse cenário.
Não me venham com este ou aquele programete feito em emissoras de fundo de quintal. Esses caras não fazem jornalismo. Na maioria das vezes, nem são jornalistas. No esporte, por exemplo, costumam chutar informações ou chupar das emissoras de verdade. Ou você acha que a “rádio tabajara” (nome aleatório), lá do fundo do quintal do Euclides (idem), tem repórteres profissionais com preparo e fontes quentes?
Sei que é sonhar alto. Mas que saudade dos tempos em que o diploma de jornalismo era exigido pro exercício da minha linda profissão. Além de o padrão de qualidade crescer, havia uma garantia pro público. O “jornalista” sem diploma está como o rábula pro advogado e o curandeiro pro médico. E precisamos de informação qualificada e confiável!
O jornalismo vai morrer? Jamais! Sou completamente poliana nesse e em outros assuntos. Mas realmente acredito que o jornalismo de verdade é cada vez mais essencial, principalmente nesses tempos em que qualquer oportunista grava áudio e viraliza como se fosse médico comentando a suposta responsabilização da vacina em quadro cardíaco de atleta.
A Terra é redonda, pessoal!
A vacina protege, pessoal!
A democracia é essencial, pessoal!
A ditadura é um horror, pessoal!
O nazismo é de extrema-direita, pessoal!
E jornalismo se faz de informações apuradas por jornalistas, pessoal.
Em algum ambiente, o jornalismo vai sobreviver, porque precisamos dele. Mas está ficando cada vez mais claro que não será neste ambiente atual.
Que a energia nuclear seja usada pra vida.
Do contrário, o estrago, evidentemente, seria enorme.
Shabat shalom!