Vejo absurdos no caminho. Tropeço em levianos disparates a cada esquina. Deparo com impropriedades culposas e dolosas.
E, diante disso, não consigo mudar o disco.
Profiro uma frase que precisa ser a base deste texto: o judaísmo não tem em si o objetivo proselitista. Isso é alheio ao judaísmo.
No judaísmo, é regra a abertura para diferenças. Dentro do judaísmo, há um código ético e o Deus incorpóreo. Ponto.
Se uma pessoa quiser se converter ao judaísmo, precisará passar por um curso preparatório. É como adotar uma nacionalidade.
Claro, estamos falando de nação, de cultura, de etnia.
Então, vamos ao ponto: outro dia, ouvi mais um disparate.
A conversa girava em torno de um assunto que costumo evitar, porque acho muito delicado. É um dilema dificílimo.
Os interlocutores falavam sobre o avanço muçulmano na Europa como um dos motivos para o renascimento da extrema direita.
Creio que não haja dúvidas de que os dois fatos existem. A questão é que falar em um freio a esse avanço pode resvalar para a intolerância cultural e religiosa. E acho isso perigoso.
Então, é um assunto que evito.
Mas eis que ouvi algo e não pude evitar uma ponderação. Alguém disse, em uma conversa, que os judeus também já foram acusados de querer dominar o mundo. Ai, ai, ai. Peraí!
Buenas, vamos lá: quando falamos sobre extremistas islâmicos que querem erigir um califado, o assunto é real e sério. No Oriente Médio, é o que querem Hamas, Isis, Hezbollah e outros.
O califado é a imposição de uma religião na sua face extremista e de uma cultura obscurantista, é varrer outras minorias (Israel, por exemplo), é tornar a vida de mulheres e gays um inferno.
Não vejo muita diferença entre a tentativa de criar um califado e a meta nazista de conquistar e estabelecer um mundo ariano. A semelhança está, não por acaso, também no ódio ao judeu.
Agora, vamos falar sobre o que seria a “dominação judaica”.
Vamos por itens, porque ela é mais abstrata:
Seriam as liberdades individuais preconizadas no judaísmo, com sua expressa essência plural.
Seria a solidariedade, o que os nazistas chamavam, não por acaso, de “bolchevismo judaico”.
Seria Hollywood, Broadway e todas essas “frescuras” das artes, que levam a tantos “mimimis” e “viadagens”.
Seria o crédito, que em algum momento foi vetado pela Igreja Católica e adotado por judeus.
Seria a ciência, a medicina, a pesquisa, essas vacinas que salvam vidas e que também já foram bruxarias.
Seria… basta ver a quantidade de judeus cientistas, jornalistas, literatos, artistas nas mais diversas áreas.
Depois de ouvir essa conversa, vi no Facebook uma mulher com sobrenome que em nada lhe confere ascendência árabe, com uma bandeira palestina no alto do perfil e um post com mapa-múndi pontilhado por estrelas de David. Ora, vejam só.
Fiquei pensando naquela asneira sem noção de uma pessoa corrente da nossa esquerda desnorteada e me veio à mente o derradeiro item nessa lista da dominação judaica.
E qual é ele?
… seria, entre os itens da dominação judaica, o valor do respeito às diferenças, o que alguns chamam de tolerância (prefiro não usar essa palavra, porque me parece arrogante). Sim, isso é muito judaico. E a ironia dessa situação é que eu, judeu, prefiro evitar esse tema, e a cultura judaica dominante neste mundo ocidental é, justo ela, a que põe freios naquilo que, para outras mentalidades, seria um basta sem pruridos no avanço da sharia.
Mas só toquei nesse assunto porque mexeram no meu calo.
Os judeus não querem impor uma sharia!
Espero ver valores judaicos triunfando num mundo justo, plural e acolhedor para todas as minorias, com muito respeito.
Enfim, sigamos em frente.
E shabat shalom!
Foto da Capa: Freepik / Gerada por IA
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