Começo a publicar crônicas, reflexões, insights, prosas e até poemas, às sextas-feiras, nesta inventiva plataforma SLER, criada pelo meu querido amigo Luiz Fernando Moraes, uma das pessoas mais criativas e boas de trabalhar que conheço. Mesmo quando eu era repórter furungador da Folha de S. Paulo, revirando ao avesso o governo em que ele coordenava a comunicação, eu e o Luiz Fernando mantivemos uma amizade muito legal, compreendendo mutuamente nossos respectivos papéis.
Depois, ele foi presidente e eu diretor de jornalismo da TVE, na minha única experiência fora do jornal impresso (foi um ano de muito aprendizado). Baita parceiro, o Luiz Fernando! Lutamos DEMAIS pra TVE continuar existindo em sua plenitude! E como é importante isso! Como quero uma cobertura local, ampla, de interesse da coletividade, apartidária e de qualidade! Mas esse é outro assunto, que eventualmente pode voltar nos meus espaços desta plataforma de jornalismo analítico e profundo (de resto, como deve ser).
Brindemos ao jornalismo que resiste nas ruas e nas ideias! Aproveito a oportunidade para homenagear o meu recentemente falecido primo Adolfo Gerchmann, baita artista, como repórter fotográfico de grandes jornais e revistas e como gourmet. Na verdade, convenhamos: o talento para achar o ponto certo do tempero tem lá suas afinidades com saber o momento correto em que a luz ilumina o céu da melhor forma, em que o fato se cristaliza numa imagem ou em que a palavra traduz emoções. Falamos de arte. A foto que ilustra esta publicação é dele.
Começo cheio de tesão a escrever neste espaço, porque acredito muito no projeto do LF, mas, paradoxalmente, muito cansado. Na vida, sabemos que o equilíbrio é sábio, e às vezes até as contradições se completam! São vários os exemplos que posso listar aqui, mas deixemos para outro dia. O curioso é que, depois de 30 anos entre as redações de Zero Hora, Folha de S. Paulo, Placar e outras, a perenidade do meu trabalho está nos livros. Nos últimos oito anos, foram sete sobre o meu time de futebol, o Grêmio, quatro deles enfatizando temas sociais e sobretudo de diversidade e respeito às diferenças. Começou com “Coligay, Tricolor e de todas as cores” e agora estou em meio ao lançamento do sétimo, “Uma história gremista de amor e inclusão”, a trajetória do generoso Instituto Geração Tricolor (IGT), que a tantos jovens em situação de vulnerabilidade já ajudou. Quem olha essa trajetória logo deve concluir: “Opa! Temos aqui o fanático em estado bruto.” Enganam-se, querides leitores. Meu lance nunca foi o de desconstruir o diferente. Tenho ojeriza da alardeada e miúda “rivalidade Gre-Nal”, com seus sadismos, crueldades e indigências intelectuais. Escrevi meus livros, mas estou muito longe de ser o torcedor típico.
Mas não é só de prosa que quero viver.
Vamos ao poema? A poesia tem nos salvado nestes tempos de fascismos explícitos, maldades autorizadas e ignorâncias constrangedoras.
Sobre o jornalismo:
Quando perguntam o que é Jornalismo
Até em tempos digitais
Explico com certo truísmo
Busque a definição de reportagem
Porque está ali a essência
Da nossa eterna vassalagem
Sim, somos vassalos
De algumas práticas
Que creio que vão interessá-los
Repetimos sempre o ato
De apurar e descrever
O que é e vai além do fato
A isso se define como reportar
Portanto, recorra à essência
Que a explicação não vai falhar
Claro, sempre tem quem enrole
Mas esse nem faz jus à atividade
É o muito desprezível bunda mole
Tem quem me defina como escritor
Eu digo “ok” e agradeço
Mas esse não é o meu teor
Escrever livros como escrevo
É uma bela forma
De reportar ao ponto do enlevo
Porque amo a minha atividade
E tudo é somente
Uma questão de profundidade
Nem é preciso de tanta ciência
Porque falamos aqui de algo simples
E o nome disso é “decência”
Nem explicar com profundidade
Porque basta escrever, fotografar
E fazer isso com honestidade
Sendo intelectualmente honesto
A qualidade da vocação
Se encarrega de todo o resto
Essas palavras parecem simplórias?
Mas a verdade é mesmo simples
Jornalismo é escrever histórias
…
Aqui, a ênfase é nas crônicas. Às vezes, uma crônica se pereniza na nossa alma, contrariando a efemeridade do veículo diário ou semanal. Foi assim com uma da Folha de SP que definia determinada pessoa (quem será?) como o pior brasileiro entre todos os 212 milhões, outra que era preenchida com as “qualidades” dessa mesma pessoa, o artigo da queridíssima amiga e colega (aqui mesmo na SLER) Lelei Teixeira (em ZH) me abrindo os olhos pra quão profunda é a nossa falta de empatia (pouquíssimos se dão conta de como o mundo é cruel com os anões, o que se estende a outros grupos humanos invisíveis) e o texto do meu também querido amigo Ticiano Osório (igualmente em ZH), fazendo eu refletir sobre meu relativamente novo e lindo lugar de fala (meu e dele), o de “pai de menina” (necessariamente feminista!). A crônica se firma como o ponto alto do jornalismo e como literatura de alta qualidade e relevância, superando a brevidade que em tese estaria na essência do jornal. Acho que isso diz algo sobre a importância cada vez maior (ouso repetir, mesmo que esteja contra o senso comum: sim, “importância cada vez maior!”) do jornalismo, essa linda profissão que escolhi e voltaria a escolher, nas nossas vidas.
A contradição do mal
Mas é estranha a vida. Conheço há décadas uma figura que é fascista de carteirinha. Defende a ditadura militar contra o “comunismo” e agora o “lulopetismo”, me chamou de “esquerdopata” e me permitiu então chamá-lo de “fascista”, rejeita ações afirmativas, designa de “mimimi” qualquer ação contra o racismo, a homofobia ou o machismo, debochou de mim quando lancei o livro “Coligay, Tricolor e de todas as cores” (meu primeiro), define como “comunista” todos que tiverem qualquer ideia minimamente civilizatória, vota convictamente em “você sabe quem”, festeja o 31/3 e… é colorado. Pois, então, esse sujeito, por ser colorado e saber que o rótulo maniqueísta, absurdo e frágil prejudica o rival, me xingou muito e até me sugeriu a briga física (sim!!!). Motivo: escrevi “Somos azuis, pretos e brancos”, e, mesmo sem ter lido, ele diz que sou mentiroso e “canalha”, porque “o Grêmio é racista, elitista, tem bicho de pé, cárie e catapora!!!”. Provavelmente seja a única oportunidade, em 60 anos de vida escrota, na qual esse sujeito se animou a “lutar” contra o racismo. Moral da história: o futebol é tão insano que enlouquece até o algoritmo.
E as contradições podem conviver também para o mal.
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Pois minha estreia neste espaço tão lindo criado pelo Luiz Fernando ocorre numa semana muito legal. Por uma circunstância meio ao acaso, eu estava na reunião em que, cinco anos atrás (2017), o juiz de Direito aposentado e baita cara chamado João Batista Costa Saraiva propôs que se erguesse o busto do Lupicínio Rodrigues na Arena. Temo citar os presentes naquele encontro e cometer injustiças, mas lembro o Juliano Ferrer, o Cassiano Kern, o Marcos Vargas, a Beta, que também se entusiasmaram. O grupo era o núcleo de diversidade do clube, a semente do atual Departamento Clube de Todos. O Saraiva propôs, e todos encampamos o projeto.
No próximo dia 20, o busto do nosso maior compositor, homem negro de enorme apelo popular, estará enfim eternizado na Arena. E isso é fortíssimo! Teremos o busto do Lupi, temos a estrela dourada na bandeira oficial em homenagem ao Everaldo, outro homem negro. Temos a definitiva Coligay. O hino do Lupi é uma ode à perseverança e à humildade, cuja linda letra é inspirada na faixa erguida pelo judeu Salim Nigri (que tabém perfilei em “A Fonte: a incrível história de Salim Nigri”, que faz um passeio pela vida do Salim entremeada com a história e os valores judaicos).
O busto do Lupi traduz o Grêmio onde me criei de mãos dadas com meu pai, também judeu, nascido no mesmíssimo 1926 do Salim (poucos dias de diferença). Cresci no Olímpico convivendo com gente espetacular, como o Tio Hermínio Bittencourt, unha e carne, amicíssimo do pai; o Seu Petry, querido, vizinho na praia; o Seu Verardi e o Paulo Lumumba, que conheci já adolescente. Esse clube lindo, de gente maravilhosa, estará perenizado no busto do Lupi, e é provável que me escorra uma lágrima de puro afeto, com meus pensamentos voltados ao meu pai, quando esse poderoso busto for descerrado. O Lupinho e o clube me convidaram. Estarei lá!
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Pros dias do aniversário tricolor (119 anos em 15 de setembro), foram programadas algumas ações de alto valor humano e institucional. Além da honra de eu lançar meu livro sobre o fantástico IGT (aplausos para a guerreira e grande humanista Luciana Pavão Kroeff, a mãe do Instituto Geração Tricolor), o discurso na sessão foi de outra guerreira e humanista, mulher negra, pioneira do futebol feminino, a Marianita. E, vejam só que lindo: isso ocorre paralelamente à inauguração da estátua do Lupi na Arena, algo perene na sua essência. Esse combo gremista de pluralidade e inclusão me enche de alegria!
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Pois é. Em 13 de maio de 2014, lancei o livro da Coligay, pela ousada editora Libretos. Na minha ingênua concepção (amo essa ingenuidade pura, que tento preservar num cantinho da minha alma em meio ao nosso pântano), era uma lindíssima história humana e plural no meu time. Ponto. Para minha surpresa e incompreensão, lembro colega (colorado sedizente imparcial), colunista de jornal, que insistia em “problematizar” o fim da Coligay. Eu explicava que a Coligay terminou porque o enorme Volmar Santos (criador e coordenador da torcida) teve de voltar para sua Passo Fundo, para cuidar da mãe doente. O cara insistia na “problematização”. Acho que cheguei a dar o telefone do Volmar para o chato ir direto à fonte e me deixar em paz. A muito custo entendi que, na verdade, a existência espetacular da Coligay importava menos que mostrar que seu fim tinha a ver com o suposto DNA segregacionista (sic) alardeado pela frágil narrativa mainstream. Uma inversão completa, percebam! Para o sujeito esse, o que precisava ser contado era o fim, e não a existência linda da inédita e até hoje única torcida LGBTQIA+ gremista.
Onde já se viu o Grêmio ser plural, generoso e aberto?! Não podia!!! A Coligay era uma pedra no caminho desses caras. Com o querido Roger Machado, amigo a quem tanto admiro, que autografou comigo “Somos azuis, pretos e brancos” em 2015 e desde então é meu parceiro de muitas conversas e enormes afinidades, ocorre algo parecido. Eu percebia a euforia de colorados a cada cobrança que ocorria sobre o seu trabalho nessa recente nova passagem pela Arena. Tinha cara que me mandava whatsap dizendo “ó, ele não vai aguentar…” Na minha ingenuidade e na sinceridade que me caracteriza (perguntem a quem me conhece bem, realmente sou muito sincero, porque acho que o papo reto varre das nossas vidas metade dos problemas que possamos ter), concordava que havia má vontade de setores da imprensa e de torcedores reacionários (há em todos os clubes) com os posicionamentos políticos progressistas do Roger, o negro intelectual que incomoda. Mas eu sentia que havia algo estranho em tanta “magnanimidade”, tanta pretensa preocupação. O Roger, raro treinador negro no Brasil com seu racismo estrutural, é cria do Grêmio como jogador e técnico. Segue os passos do saudoso Paulo Lumumba! Teve duas passagens pelo clube com o qual se identifica, o clube que tem aquela estrela dourada na bandeira oficial em homenagem ao negro Everaldo, o clube do hino absurdamente lindo composto pelo Lupicínio. E o ciclo agora se encerrou, ficando tudo muito claro. Claro que havia implicância e má vontade de setores reacionários, houve até agressão racista partida de comunicador (colorado assumido, diga-se). E também houve situações em que qualquer treinador seria cobrado. Quando uma equipe faz um ponto em 12 jogando contra times da Série B e tendo atuações apáticas, é natural e recomendável que haja cobrança forte e mudança.
Eu queria muito que essa mudança ocorresse com o Roger no comando. Mas houve o desligamento, algo corriqueiro nessas ocasiões. E, ora, o que ocorre em diversos espaços deste vasto e lamacento mundo digital? Tem até cínico que nunca se importa com aberrações fascistas, mas saiu com dedo em riste para acusar o Grêmio de ser a imagem do “supremacismo branco” em contraste com a suposta (e muito hipócrita) impoluta imagem do seu rival, o “clube aberto” (bah, que sono esse maniqueísmo me dá!), “do povão”. Para esses caras e até pra alguns gremistas tolos que se julgam muito “independentes” (sic) e “corajosos” (hahaha! sic!), o importante não é que o Roger foi criado, lançado e valorizado como treinador do Grêmio. O importante é “problematizar” a saída para comprovar como esse clube é “elitista” e “malvadão”. Volta a inversão que tanto estranhei naquele episódio da Coligay. É duro, mas vou perdendo a minha adorada ingenuidade, e consolidando uma certeza: como tem gente enferma!
…
Na demissão do Roger e na contratação do Renato, estou vendo uma coleção de contradições, oportunismos, demagogias, seletividades levianas e outros ascos em altíssimos volume e constrangimento. O pior é quando o gremista dá trampolim pro colorado, que agradece pela falta de noção e, evidentemente, aproveita a brecha para afirmar estupidezes de maniqueísmo infantiloide. Juro que vi cara criticando num comentário o time do Roger por estar “devagar” e depois discursar em post usando outros elementos totalmente opostos e ser aplaudido por oportunistas de plantão que obviamente iriam aplaudir tendo orgasmos.
Tá difícil a vida!
Futebol, uma plataforma para estupidez
Gosto do futebol e amo meu time. Para quem não entende essa paixão, apelo à metáfora da madeleine permanentemente embebida no chá e peço que leiam “Febre de bola”, do Nick Hornby. Mas me dá asco ver como o futebol transforma o honesto em desonesto, o sincero em mentiroso, o de bom senso em hipócrita, o ilustrado em negacionista, o empático em sádico, o ponderado em imbecil, o inteligente em burro, o respeitoso em desrespeitoso e o justo em injusto. Para mim, não existe ambiente permissivo à idiotice. Por isso, evito entrar nos embates da nossa ridícula rivalidade. Não quero atingir quem não merece. Agora, vejo gente dizendo pela milésima vez que casos de racismo no seu time são sempre “isolados” (sic) ou nem são racismo (houve dois “casos isolados” recentemente), porque, imagina só se existe racismo no seu impoluto clube. Meus livros falam sobre o meu time, mas sem desconstruir o outro, no qual reconheço as conquistas e as belezas. Esse negócio de negar quase que a própria existência alheia, suas conquistas e sua História, de tripudiar o sofrimento do outro, não ajuda em nada a sermos melhores pessoas.
Racismo, homofobia e outros absurdos neste país de imbrocháveis preconceitos e maldades estruturais deveriam estar acima de rivalidades mesquinhas.
E a volta da polio, hein?!!!
A volta de doenças erradicadas, como a pólio, é uma das heranças do surto inacreditável de maldade combinada com burrice que resulta na ignorância. O exercício das “liberdades individuais” (o que fizeram com essa linda expressão!) do mal para não se vacinar, ser grosseiro, ser egoísta, ser racista, ser homofóbico, ser anticiência, ser antiarte, defender armas e outras aberrações parece até “só política” quando o cara elege desqualificados, escreve texto defendendo a desigualdade social com eloquente ato-falho nazista no título (sim, isso ocorreu!), confunde indivíduo com perverso e ideologia com insensibilidade. Mas a coisa não se limita ao plano teórico da “disputa de ideias” e da “disputa política”. Essa é uma hipócrita, uma falsa simplificação supostamente “lúcida” e apaziguadora. A verdadeira simplificação lúcida, mas infelizmente nem tão apaziguadora, é que se trata de, urgentemente, radicalizar a defesa da vida.
Radical pela vida
Ponhamos a bola ao centro? O que é ser radical e o que é ser moderado? Uma pista: muitas vezes as pessoas moderadas se veem na obrigação de radicalizar o discurso, nunca no sentido do extremismo, mas contra ele, no sentido literal da bela palavra “radicalização”. Contra o fascismo, o racismo, a homofobia, a necropolítica, a defesa da ditadura, a homenagem a torturador, a omissão multiplamente letal na pandemia, a corrosão dolosa das instituições, a negação da ciência, a devastação da natureza, o aniquilamento da cultura, a perversidade no trato político, a corrupção (sim, crianças, ninguém inventou e ninguém terminou com a corrupção) e a maldade em estado puro, não é paradoxo o moderado ser radical, porque ele age na defesa do bom senso. Cuidemos o uso do inadequado das palavras e evitemos as simplificações que embutem narrativas fake de forma subliminar. O momento é, sim, de ser lindamente radical, de ir à raiz. Em nome da moderação e do convívio sadio e democrático. Sejamos radicais na defesa da vida!
Por que o pronome neutro incomoda tanto?!
Sobre o pronome neutro, o que me espanta é a afronta a todas, todos e todes com uma canetada arbitrária e de fundamento muito questionável. Poucos anos atrás, desperdiçamos tempo, dinheiro e energia com uma mudança enorme e vazia no jeito de escrever. Toneladas de livros foram para o lixo e pessoas se viram atrapalhadas em nome de algo muito tolo. Foi uma mudança que eliminou o elegante trema e surripiou acentos diferenciais para parar o para e confundir tudo. Agora, vem das ruas uma mudança que faz muito sentido sobre a reflexão que nos cabe a respeito do machismo estrutural, o machismo tácito que nos impregna de boçalidade e violência. Como desperdiçamos tempo com bobagem! Primeiro, desperdiçamos tempo com uma reforma muito pouco compreensível em seus reais objetivos. Até hoje não entendo por que foi feito tudo aquilo (no máximo era pra alinhavar o idioma com Portugal. Que bobagem!). Agora, algumas pessoas, impregnadas de temores sexistas idiotas e pudor doentemente reacionário, se ocupam de vetar na caneta, de forma autoritária, uma tendência das ruas que traz claras influências de processos evolutivos. Minha opinião técnica? Acho que deveria haver o desperdício de energia, aí sim, para ver como essa lindíssima movimentação idiomática pode ser adaptada à gramática e quais os seus limites. Tenho lá meus conservadorismos. Mas longe de mim ficar preocupado com avanços na área dos costumes (pelo contrário!) ou com questões envolvendo a sexualidade das pessoas. Se for pra falarmos de forma inclusiva, respeitarmos diferenças e acolhermos todas as formas de amor, tô dentro. A vida é curta, e a nossa grande meta deveria ser a simplificação e o afeto (e não a repressão e o preconceito), para a felicidade de todes. Vamos falar sobre o que importa? O que deve importar, sempre, é ser feliz.
Literalmente resilientes
Entre outras más utilizações de palavras, há as maximizadas e as minimizadas. Entre as maximizadas, ”resiliência” e “literal” deixaram de ser usadas nas suas belas e úteis especificação para virarem tudo que for perseverança e intensidade, respectivamente. Mas quero (e vou) falar de uma palavra que está sendo perversamente desgastada. É “ideologia”. Tem quem diga, às vezes com malicioso malabarismo (ideológico), que ela nem existe.
Pois eu digo que, independentemente de bandeiras, de partidos e da convenção estabelecida na geografia duma assembleia francesa, a ideologia nunca foi tão importante. Nunca foi tão importante ter lado.
Vejamos:
Defender que a natureza seja protegida pelos órgão públicos eleitos democraticamente é, sim, ideologia.
Defender que a desigualdade social seja atenuada por órgãos públicos eleitos (e solidários) é ideologia.
Defender que desfavorecidos sejam contemplados com o que em hebraico chamamos de “tsedacá” (justiça social) é ideologia.
Defender educação pública de qualidade para evitar a miséria, a ignorância e a violência é, sim, ideologia.
Defender que se inibam flertes ou namoros com a superioridade racial, explícitos ou tácitos, é ideologia.
Defender a saúde pública protegida de eventuais insanidades e ignorâncias individuais é ideologia.
Ah, para encerrar este microensaio, lembro que defender a “liberdade individual”, de ir contra toda essa visão solidária e humanista é também ideologia. Só que está do outro lado da tal convenção francesa, e é muito grave quando está extremamente do outro lado daquela assembleia. Vira crime.
O repente do Napoleão
Dizem pra ter candura
Com defensor da ditadura
Dizem pra ser simpático
Com o antidemocrático
Dizem pra ser bacana
Com quem vê a Terra plana
Dizem pra manter a linha
Com quem fala em gripezinha
Dizem q ñ se colide
Com minimizador da Covid
Dizem pra manter a calma
Com quem nem tem alma
Dizem pra ser cordato
Com a turma do “prendo e mato”
Dizem pra ser moderado
Com quem apoia tarado
Dizem pra dar licença
A quem é contra a imprensa
Dizem pra ter paciência
Com quem é contra a ciência
Dizem pra manter o pudor
Com fã de torturador
Dizem pra ser tolerante
Com quem é ignorante
Dizem pra ser simpático
Com quem é lunático
Dizem pra ñ ser radical
Com a encarnação do mal
Dizem pra dialogar
Com quem destrói nosso lar
Dizem pra ter leveza
Com detonador da natureza
Dizem pra ser amoroso
Com o preconceituoso
Dizem pra manter na lista
O filho da puta racista
Dizem pra dar uma colher
A quem despreza a mulher
Dizem q é da lei
Querer a cura gay
Dizem q fale e até insista
No diálogo com fascista
Dizem pra ser passarinho
Com o passarão no caminho
Dizem pra ñ ser irônico
Com detrator do voto eletrônico
Dizem pra respeitar opiniões
De quem nega as instituições
Dizem q é pra ouvir
Quem só quer destruir
Dizem pra ser amável
Com o detestável
Dizem pra ser magnânimo
Onde só se vê desânimo
Dizem pra entregar o Brasil
A quem defende o fuzil
Dizem pra ter brandura
Com defensor da linha dura
Dizem pra ser querido
Com o doido varrido
Só falta dizerem pra dar razão
A quem acha q é Napoleão
Dos insights
Frases que eu adoraria ler na antiga e genial coluna do Carlos Nobre, quando ele tinha aqueles lindos insights e os intitulava com “o pensamento do Dias”:
Dar pix antes era tomar cerveja no bar e ir ao banheiro pra aliviar a bexiga.
Dar pix hoje é tomar cerveja no bar e ir ao caixa pra “aliviar” a conta corrente.
A coisa tá tão feia, que agora se dizer ‘brochável’ virou motivo de orgulho e resistência aos machões que usam a suposta virilidade como arma política.
Nas profundezas do Texas, o xerife, os grossos beberrões das cantinas, os desalmados defensores do atraso, os bandoleiros e demais trogloditas, os poderosos em geral e os latifundiários em particular, armados até os dentes numa permissividade selvagem, proibiam a entrada de juízes no seu território, por eles dominado e sem lei.
Como o cinema é imaginativo, né, hein?!
Lembrando meu pai, pra finalizar a prosa!
Quando se fala em Grêmio x Náutico (o jogo ocorreu recentemente), a lembrança usual é em relação àquele jogo histórico dos Aflitos, em que todos os limites de uma epopeia estiveram em campo. Tipo assim: impossível maior dramaticidade, porque pênalti contra si, defesa do goleiro, número mínimo de jogadores e gol muito improvável são uma conjunção única, insuperável. E era uma situação extrema! Mas, para mim, o Grêmio x Náutico mais marcante ocorreu em 4/6/2009 (3×0 pra nós), três dias depois de o meu pai ter falecido. O pai já nem era conselheiro, e eu não tinha escrito os livros que escrevi sobre o clube. Ainda assim, e sem que pedíssemos (detalhe essencial!), fui surpreendido (e chorei demais!) quando meus amigos José Alberto Andrade e Jose Aldo Pinheiro, repórter e narrador da Rádio Gaúcha, comentaram que aquele minuto de silêncio em que todos reverenciavam a memória de alguém era em homenagem ao meu amado pai! Sério, ele merecia muito! Era até folclórico pela paixão tricolor, pelo bom humor e lealdade ao clube que frequentou com os amigos desde os anos 1930, lá no Fortim da Baixada. Eram ele, o Ari Mermelstein (eram amigos e vizinhos) e outros amigos do Bom-Fim e do Rio Branco (colônia africana) que subiam a Ramiro Barcelos rumo à Independência e em poucos minutos estavam lá na cancha, até para ver treino. A lembrança e a reverência do Grêmio ao meu pai, num gesto completamente voluntario, só não aumentou meu gremismo porque é impossível ser maior.
A propósito, tínhamos na parte leste do Estádio Olímpico, uma turma de judeus que hoje estariam ou estão na casa dos 90 e poucos anos. O pai e vários amigos (Adolfo Goldstein, Shmiló Goldstein, Salomão (Manitz) Gerchmann, José Elman, Arão Zaltzman, Isaac Spritzer, Samuel Ochman, Ramiel Igor etc etc etc) tinham as cadeiras lado a lado e muita parceria (íamos e voltávamos juntos, muitas vezes). Quase uma sinagoga no meio do estádio! E tinham os desgarrados, claro. Às vezes, eu ia lá do outro lado para ficar com meu amigão Leandro Zimerman (o grande cardiologista que hoje é o médico do Renato Portaluppi), o muito saudoso Xandi e o pai deles, o também muito saudoso David Zimerman (psicanalista que marcou época e deixou inúmeros seguidores). E era gente que viveu tudo de perto, gente do Bom-Fim e do Rio Branco (colônia africana), junção de bairros onde viviam meu pai, seus irmãos e outros frequentadores do Fortim da Baixada, como o já citado grande amigo, gremista e vizinho Ari Mermelstein, que cedo foi pra Israel.
Diante das acusações que se ouviam, eles falavam em “hipocrisia” e citavam episódios também do outro lado (alguns desses episódios envolviam gente da minha intimidade). Quando percebi que aquele “folclore” (aquela maniqueísta apropriação da virtude) tinha se transformado em narrativa perversa e que muitos contemporâneos repetiam mentiras deslavadas (algumas até engraçadas, de tão absurdas e de facílima contestação), puxa, meu lado jornalista falou alto, e eu precisei escrever, porque era necessário reportar e contar. As redes sociais ampliaram essa necessidade ao ampliar a narrativa, e aqui estou eu, como jornalista metido a escritor. Mas continuo sendo aquele cara que curtia o futebol de uma forma apaixonada, pura e assumidamente inocente, sempre respeitoso. Porque gosto de viver assim e tomo para mim o controle das rédeas da minha vida!
…Poesia numa hora destas?, perguntaria o LFV
Parece coisa de lunático
Mas contesto absurdos
E passo eu por fanático
É triste e aviltante
Os caras te agridem
E tu que é arrogante
O futebol faz mal pra gente!
São tantas leviandades
Que emburrece até o inteligente
É uma prática desumana
A repetição contumaz
Da velha lenda urbana
…
Recomendação recorrente:
“Não se exponha, amigo!
Isso seria impertinente”
Essa frase não tem sentido
Pra quem se orgulha
De todo o passado vivido
É ótimo ter a cara limpa
Pra ficar à vontade
E fazer o que melhor sinta
Não se arrisca sair dos trilhos
Aquele q sabe
Que dá orgulho aos filhos
Essa é a melhor medição
Quando alguém chega
Com tal recomendação
“Não se exponha”
É dica adequada
A quem tem vergonha
…
Bom finde, queridos leitores que me acompanharam nessas reflexões.
E shabat shalom!