Foi meu quinto show do Paul McCartney (o sexto de Beatles, já que estive também num do Ringo Starr), e escrevo isso meio incrédulo, porque lembro que, lá nos anos 1980, fazíamos coro com o Tavito cantando “será que algum dia eles vêm aí, cantar as canções que a gente quer ouvir?”, de Rua Ramalhete. E a convicção era de que isso jamais ocorreria. Pois ocorreu e já foram seis vezes. O Paul cantou as músicas que fazem você tremer dentro do vestido, e eu me recuso a chamá-lo de “ex-beatle”, porque isso não existe. O cara é um beatle. Forever.
Pois bem. O período entre o show em Curitiba, em dezembro do ano passado, e este de outubro em Florianópolis é de 10 meses. Como estive em ambos, sou testemunha de um milagre. O Paul McCartney rejuvenesceu, pessoal! Com seus 82 anos, parece que o relógio pirou e resolveu andar no sentido contrário, porque, ora, os Beatles não podem envelhecer. E o Paul tá que é um guri.
Vou roubar uma citação de outra citação. No domingo, tomando café, li o essencial Antonio Prata na Folha citar Kurt Vonnegut. “Falo em palestras que uma missão plausível para os artistas é fazer com que as pessoas apreciem, ao menos um pouco, o fato de estarem vivas”, diz o escritor. “Então me perguntam se sei de artistas que conseguiram. Eu respondo: ‘Os Beatles conseguiram’”. Puta que pariu, que mania esse Antonio Prata, que vale ouro, tem de expressar o que sinto. Muito foda!
Aliás, o Antonio é filho do Mario Prata, e o Mario Prata é o autor de uma das telenovelas globais que mais amo: Estúpido Cupido, de 1977 (o João, interpretado por Ricardo Blat nessa novela, era jornalista, namorava a linda Maria Teresa, interpretado por Françoise Forton, e me influenciou até na opção profissional), ano do meu bar-mitzva, do André Catimba, da Coligay, do Punk, nome da banda argentina que sonho ver no palco (A77aque), a cabala do meu aniversário (11/7, porque 11 x 7 = 77), a soma da banda brasileira que cultuo (14 Bis, 7 + 7), as letras do artista brasileiro que mais amo (GG, 77, Gilberto Gil). Você dirá que sou louco. Eu respondo que seria louco de verdade se tivesse o número 77 tatuado no braço. Putz, sou louco de verdade.
A arte é lúdica, mas não é brincadeira.
Mas vamos nos manter nas datas marcantes antes de seguir sobre o show do Paul McCartney. Nasci em 1964, sou da turma de 1981 do Colégio Israelita Brasileiro. Em 1964, os Beatles lançavam “A Hard Days Night”, que chegou ao Brasil com o esquisitíssimo nome de “Reis do ié, ié, ié”. Será que o Paul e o Ringo sabem disso? Nesse mesmo ano em que nasci e em que os reis do ié, ié, ié lançavam “A Hard Days Night”, os absurdamente geniais gurizinhos ingleses de cabelos longos e desgrenhados ganhavam os primeiros postos nas paradas norte-americanas.
Era a Beatlemania que nascia.
E nós, de 1964, nascemos com ela.
Somos irmãos da beatlemania!
E, se você calcular bem, verá que festejamos seis décadas.
Pois eu, o Bê, o Benja, o Dannie, o Iltinho, o Mario e o Rogerinho, representando o CIB/81, rachamos uma van e fomos pra Floripa driblando a interdição do Aeroporto Salgado Filho em razão das cheias. Vou contar um segredo: custou tanto quanto custariam as passagens de ida e volta em ônibus, mas com as vantagens de termos locomoção na cidade do show (abraço aos queridos motoras Riba e Jonatan!). E, tchê, com alguns ali da turma meu contato é pouco, outros é diário e ainda tem os que são esporádicos. O que valeu foi a eterna amizade de infância e a intimidade que ela nos permite ter. Rolou muito bullying sadio, aquele em que até a vítima dá risada. Tive que aguentar o Dannie, que é dirigente colorado, em dia não muito feliz de Gre-Nal. Mas sem ressentimentos. Te amo, Dannie!
Aliás, tatuagens… 77, maçã azul, “até a pé nós iremos”, “because the sky is blue”, estrelinhas paternas na cicatriz pioneira de 43 anos atrás, o Chai, o Baruch da reza e do Spinoza, o infinito e muito além. Minha pele me identifica mais que a circuncisão.
E as piadas. Melhor que fiquem para consumo interno, porque nos lembramos muito dos tempos da quinta série comum no CIB. Teve a do jantar de Pessach mais famoso da Humanidade, em que se constatou a presença de dois penetras, “13, 14, ué?”, e do qual se originou a ideia hoje disseminada do ovo de Páscoa.
Enfim. Quanta bobagem e quanta doçura!
Que show, senhores! Que companhia, senhores!
E que guri tá o Paul, senhores!
Ainda bem que não faço o tipo do Paul, apesar da fixação dele em se casar com judias, porque, se ele dissesse “Léo, te curti”, eu deixava rolar e até teria prazer. Como amo esse tipo!
…
Sobre o show, Paul McCartney consegue mudar detalhes que fazem toda a diferença e permitem que quem sempre o acompanha suspire como se o estivesse vendo de novo pela primeira vez. Neste atual, ele introduziu uns metais poderosos, que ficam perfeitos em algumas músicas dos Beatles. Pele de galinha, meu!
Do primeiro show no Brasil, 14 anos atrás, até o de hoje, ele introduziu o Medley (o som mais perfeito que um ser humano já foi capaz de fazer neste vale de lágrimas) e Helter Skelter no bis. Vocês sabem o que é, depois de quase três horas intensas no palco, um senhor octogenário tocar baixo e cantar heavy metal? Pois assim é. Mas isso eu e meu filho Pedro já tínhamos visto sob chuva torrencial no show que ele fez anos atrás em São Paulo.
E tem outros momentos de eriçar a pele do vivente.
Caceta! Aquele lance de pôr o John num telão em tamanho normal, cantando no terraço da Apple Records, mas parecendo aqui e fazendo o velho dueto com Paul em “I’ve Got a Feeling”.
A boa notícia é que meu coração é forte. Ali ele foi testado!
E o show terminou como num roteiro perfeito: “And in the end, the love you take is equal to the love you make”, cantou o gênio, com a mão sobre o coração seguido do “até a próxima”.
Tomara!
Sempre é único e inesquecível.
Shabat shalom!
Foto da Capa: Divulgação
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