Neste ano de 2024, completam-se 120 anos da colonização daquela que é a atual coletividade judaica organizada do Brasil. E começou pelo Rio Grande do Sul, em Philippson e depois em Quatro Irmãos. E 120 anos tem um significado poderoso para o judaísmo. Foi a idade em que morreram Moisés e o sábio Hillel, o “sábio dos sábios”. Moisés levou ao mundo o civilizatório o mandamento “não matarás”, todo um marco civilizatório; Hillel é o autor da lapidar máxima “não faças ao outro o que não queres que façam para ti”, que, segundo ele, resumiria a essência da Torá.
No dia 18 de março (segunda-feira passada), celebra-se a imigração judaica. Ressalve-se: os 120 anos a que alude este texto se refere ao início da atual comunidade organizada. Antes dela, houve a presença judaica desde as caravelas, quando Gaspar da Gama veio ao Brasil como tradutor de Pedro Álvares Cabral. Tivemos grande colônia sefaradi que sofreu as agruras da inquisição portuguesa (leia texto da semana passada). E foi enorme a participação judaica. Veja o caso de Vlado Herzog, assassinado pela ditadura militar. A tentativa de disfarçar a tortura e a execução foi desmascarada pelo rabino Henry Sobel, que se recusou a enterrar Vlado como suicida, num ato de insubmissão pioneiro e corajoso.
Mas voltemos a 1904.
Conta o saudoso escritor imortal Moacyr Scliar, nos dando o panorama que levou à colonização no extremo sul do Brasil: “O projeto de colonização da ICA (Jewish Colonization Association) iniciou-se pelo Canadá e pela Argentina – países com premente necessidade de mão-de-obra na agricultura. Em cerca de 300 mil hectares – Santa Fé, Entre Ríos, província de Buenos Aires – foram estabelecidas 17 colônias. Posteriormente, a colonização foi estendida do Rio Grande do Sul (neste Estado, aliás, já havia um pequeno número de judeus alsacianos, emigrados em decorrência da guerra franco-prussiana de 1870. Residiam em várias cidades – Porto Alegre, principalmente – dedicando-se em geral ao comércio). O então presidente da ICA, Narcisse Leven, e o vice-presidente, Franz Philippson, este diretor da Companhia de Estradas de Ferro da Argentina e do Rio Grande do Sul, propuseram ao conselho a aquisição de terras no Estado. Em 1900, uma comissão veio ao Rio Grande do Sul e aprovou a ideia. Em 1902, um agrônomo chamado Lapine adquiriu, em nome da ICA, 5.766 hectares de terras no Pinhal, município de Santa Maria. Aí se estabeleceu, em 1904, a primeira colônia judaica do Rio Grande do Sul, a Colônia Philippson. Eram 38 famílias, cerca de 300 pessoas. Vinham da Bessarábia, região situada entre a Romênia e o Império Russo (e por ambos disputada). Não por acaso: na Bessarábia, ficava Kichinev, “a cidade da matança” do poema de Bialik (onde houvera um pogrom devastador). Da Bessarábia para o Brasil.”
E continua Scliar: “Na Europa, conta Zeldi Oliven, uma banana tinha de ser dividida pela família; no Brasil, pode-se comer duas, três, um cacho inteiro de bananas”. (…) “Mas não era isso o que realmente contava, a coisa material.” (…). “A liberdade de aspirar a uma vida melhor. A liberdade de não ter medo. A liberdade de trabalhar. A liberdade de educar os filhos”. (…) “De navio, seguiam para o porto de Rio Grande, onde os recebia um representante da ICA; de lá iam para Santa Maria; e, por fim, à Colônia”. (…) “A milenar tradição era retomada, a ancestral corrente era refeita. E aos antigos hábitos outros se incorporavam. O do chimarrão, por exemplo.” (…) “Judeus de bombachas e chimarrão, como diz Jacques Schweidson; Los Gauchos Judíos, do escritor argentino Alberto Guerchunoff. Aos poucos, eles se adaptavam à nova terra.” (…) “Plantavam: trigo, feijão, batata, amendoim, legumes, hortaliças. Da Bessarábia, haviam trazido a técnica do cultivo do fumo turco (“fumo amarelinho”). E tinham pomares. E criavam aves e animais domésticos”. (…) “Construíram, em 1905, a sinagoga. A ela foi trazida – por um grupo de imigrantes que vinha de Riga – a Torá. O sagrado rolo de pergaminho que contém a história e a tradição de um povo e que sempre acompanhou os judeus em seu exílio.” (…)
Toda essa trajetória se iniciou por um shtetl bem aqui no Rio Grande do Sul. “Cidadezinha” em iídiche, shtetl era algo usual até o século 19 na Europa Oriental, assim como era comum o próprio iídiche, o dialeto híbrido de alemão e hebraico que os judeus adotaram em meio às perseguições sofridas, para equilibrar a tradição à adaptação, tais como o Violinista no Telhado (filme icônico de 1971, de Norman Jewison), que faz justamente isso ao tocar seu instrumento.
Barão Maurice de Hirsch, filantropo judeu alemão, preocupado com as perseguições, criou no fim do século 19, em Londres, a ICA e tratou de instalar colônias agrícolas no Canadá, nos Estados Unidos, na Argentina e, também, no Brasil.
Os judeus sofriam uma série de perseguições e restrições na Rússia, na Lituânia, na Estônia, na Letônia e na Polônia. Em 1882, por exemplo, foram publicadas leis restritivas e francamente discriminatórias na Rússia czarista, que, entre outras determinações, proibiam judeus de se assentarem em aldeias – essas determinações vigoraram por incríveis 25 anos (um quarto de século!), até a revolução de 1917, que trouxe outros problemas. Chegavam a milhares os éditos com proibições desse tipo. Muitos judeus eram expulsos dos seus lares. E havia os pogroms! A migração dessa gente sofrida era precedida pela ICA da abertura de inscrições, seleção e avaliação da real necessidade de migrar. Muitas vezes, o trajeto levava 40 dias, partindo do porto de Hamburgo ou de Kiel. A viagem dessas pessoas sem recursos ocorria na terceira classe da embarcação. As memórias afetivas mais queridas dos imigrantes costumavam ser as relações de companheirismo e certa dose de intimidade com até então desconhecidos que se tornavam o que costumavam chamar de “irmãos de navio”.
No Brasil, o mais usual era desembarcar na Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. Mas havia quem fosse para Santos. Alguns se submetiam a quarentena antes de seguir para o seu destino dentro do Brasil – havia casos de doenças. No Rio Grande do Sul, a chegada se dava pelos portos de Porto Alegre ou de Rio Grande. E havia também os casos de judeus solteiros, que vinham por conta própria, principalmente da Polônia ou da Bessarábia (região que ora pertencia à Romênia, ora à Rússia), e trabalhavam até juntar dinheiro suficiente para trazer a família – alguns traziam o futuro cônjuge, geralmente a noiva. A imigração para o Rio Grande do Sul deu um salto quando a Argentina fechou a entrada para esses refugiados em 1923, época de recrudescimento do antissemitismo na Polônia. Aportaram, então, em terras gaúchas, fluminenses e paulistas.
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A “Vila de Moisés”, na Argentina
A Argentina havia recebido no final do século 19, apenas por intermédio da ICA, algo como 10 mil judeus em Buenos Aires, Entre Ríos e Santa Fé – onde, fazendo jus ao nome da província (“santa fé…”), foi fincada a pioneira colônia, chamada com a também sugestiva denominação de Moises Ville. E, nesse “shtetl argentino”, pioneiro na América do Sul, passaram a viver 136 famílias, com 815 pessoas, no final da década de 1880. Quando a localidade argentina foi inaugurada, em 1889, a intenção dos colonizadores – que chegaram à Argentina em 12 de agosto daquele ano -, era de colocar-lhe o nome de “Kiryat Moshe”, algo como “Povoado de Moisés”. No fim, usaram o francês e colocaram Moisesville. Acabou espanholado: Moises Ville. O líder do grupo era o rabino Aaron Halevi Goldman. Uma peculiaridade desse povoado é que, ao contrário de outros semelhantes, não tem uma igreja na praça principal. O nome de uma das quatro sinagogas fundadas no local é muito apropriado: “Barão de Hirsch” – as quatro funcionavam até os anos 1940, assim como um teatro dedicado aos espetáculos em iídiche e uma escola israelita que fechou em 2010. Atualmente, apesar de não ter rabino, a Barão de Hirsch ainda é uma sinagoga, e a Argentina, com 250 mil judeus, tem a maior colônia judaica da América Latina – a sétima maior do mundo.
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A continuidade no Brasil
“No Brasil, a imigração judaica deve ser vista como desdobramento da atividade de colonização desenvolvida pela ICA na Argentina e como consequência do surgimento de uma política oficial de incentivo à imigração no país (…). O Rio Grande do Sul foi considerado adequado para a instalação dos judeus russos, pois, além da proximidade com as colônias argentinas, havia o desejo do governo estadual de receber novos colonos”, contextualiza a historiadora Tatiana Machado Barboza.
Para valer mesmo, o “shtetl gaúcho” pioneiro no Brasil instalou-se em Quatro Irmãos, a 30 quilômetros de Erechim (na época, Paiol Grande), passando 73 quilômetros de Passo Fundo, para quem parte de Porto Alegre. Fica pertinho do núcleo colonial de Erebango (a apenas 17 quilômetros de distância), outra localidade onde chegaram judeus – além da colônia pioneira de Philippson, nas cercanias de Santa Maria (a 25 quilômetros do centro da cidade, no coração do Estado). Mas começo da imigração judaica organizada no Brasil ocorreu em 1904, em Philippson, nome que homenageia Franz Philippson, diretor da ICA – a travessia judaica foi projetada pela ICA em 1903, com o envio de um emissário ao Leste Europeu a fim de organizá-la. Eram 38 famílias, que chegaram principalmente da Bessarábia, região da Europa Oriental banhada pelo Mar Negro (era o sul da Romênia). Depois, vieram outros romenos, russos, alemães e poloneses. Alguns, antes de chegar ao Rio Grande do Sul, passaram pela Argentina. Em Philippson, receberam lotes de 25 a 30 hectares, pequenas casas de madeira, ferramentas agrícolas, animais e sementes. Poderiam pagar a longo prazo pelo novo lar e pelos equipamentos destinados à subsistência. À Fazenda Quatro Irmãos, os judeus chegaram entre 1911 e 1914. Muitos deles partiram depois para outras paragens, e alguns mantiveram propriedades rurais por ali mesmo, mas estabelecendo residência em Passo Fundo e Erechim.
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Dificuldades em Philippson
Em Philippson, logo na primeira colheita, os colonos perceberam que as terras não eram apropriadas para a agricultura, e, em 1906, uma praga de gafanhotos devorou toda a pouca plantação de trigo e fumo que vingara nas terras pedregosas. Em Quatro Irmãos, a aldeia prosperou por mais tempo, permitindo que se desenvolvesse algo comparável aos shtetls. Tornou-se comum a imagem de judeus vestindo botas e bombachas. Foram erguidas sinagoga e escola, e havia dois cinemas.
No total, mais de 400 famílias chegaram em diferentes levas – os dois primeiros grupos vieram em 1904 no navio Paranaguá e foram recebidos no porto de Rio Grande pelo senhor Hazan, da ICA, “que os ajudou no desembaraço das bagagens e nos trâmites legais”, conforme o historiador Geraldino da Costa, que conta: “No dia seguinte, viajaram pela estrada de ferro com destino a Santa Maria, cidade sede do município ao qual Philippson pertencia. Em Santa Maria, permaneceram dois ou três dias para a compra das necessárias provisões, visto que em Philippson não existia sequer uma bodega. Santa Maria: penúltima etapa da sofrida viagem”. Era 18 de outubro de 1904 quando as primeiras 38 famílias judias chegaram à colônia de Philippson.
Mas a permanência nos povoados enfrentou dois empecilhos. O primeiro é que a maioria dos judeus tinha pouca intimidade com o trabalho rural. Em razão das perseguições, não podiam ter sua própria terra na Europa, o que lhes limitava as opções profissionais, como as áreas médica, comercial e financeira, todas elas atividades urbanas, e algumas proibidas e não praticadas por cristãos – logo, tinham distância dessas tarefas. Outro motivo foi o conflito de 1923, que voltou a opor pica-paus (governistas) e maragatos (opositores ao presidente estadual Borges de Medeiros, que mantinha hegemonia no poder, em seu quinto mandato), 30 anos depois da Revolução Federalista, em que as degolas foram uma marca sangrenta. O colono David Faiguenboim foi assassinado em meio à refrega, e houve diversos episódios de violência. Centenas de judeus fugiram apenas com as roupas do corpo e seus pertences essenciais. No estudo “Imigração Judaica no Rio Grande do Sul – Pogroms na Terra Gaúcha?”, a historiadora Ieda Gutfreind aborda o trauma histórico dos colonos e relata o “temor do ressurgimento” daquelas vivências de horror em terras distantes: “Os atos de violência nomeados pogroms fazem parte da memória coletiva judaica, no caso em estudo, dos imigrantes radicados no extremo sul do Brasil. Esse grande medo vai se exteriorizar nos anos 1920. (…) Os colonos sofreram atos de violência e de humilhações. Saques, roubos de animais, de objetos pessoais, de instrumentos agrícolas; eram comuns as requisições de suprimentos, pagamentos de subornos e de taxas de guerra tanto para legalistas quanto para insurretos. Casas foram invadidas, e as colheitas, destruídas (…). Os meses e os anos em que passaram por provações levaram os colonos ao esgotamento dos recursos de sobrevivência e da tolerância emocional, agravados com os estragos nas linhas férreas, que impediam o transporte de pessoas, produtos e mercadorias”.
O ambiente era inóspito, e as informações técnicas eram escassas (o consultor a quem recorriam viva em Paris, e as respostas chegavam quando a colheita já havia passado). Os colonos se alojaram em casas de madeira com geralmente não mais que 35 metros quadrados, tetos de zinco, sem pintura, sem vidraças e as frestas entre as tábuas, por onde penetrava o vento minuano. Resultado: muitos se mudaram para Porto Alegre e outras cidades, inclusive de fora dos limites gaúchos. Também houve quem, aliás emigrou para Israel. Mas também alguns ficaram ainda durante a década de 1920, quando criaram uma pioneira cooperativa elétrica e a ferrovia entre Quatro Irmãos e Erebango.
O prédio de madeira que sediou o hospital hoje abriga a Secretaria Municipal da Educação e o memorial da colonização judaica, com seus objetos típicos e fotografias de época. A edificação é o principal ponto turístico do município de menos que 2 mil habitantes.
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Nomes em iídiche
O nome Quatro Irmãos se origina no fato de a fazenda de 93.985 hectares que deu origem à colônia ter sido propriedade dos irmãos Santos Pacheco. A caracterização do povoado como shtetl, porém, se fundamenta justamente na formatação que a localidade tomou na medida em que as originárias atividades rurais foram ampliadas para a construção da escola, da sinagoga e do cemitério, além de casas comerciais e do moinho. Pelas estreitas ruas da aldeia, transitavam personagens conhecidos como o shames (zelador da sinagoga), o gabai (secretário da sinagoga), o chazan (cantor sacro), o shoichet e o mohel (magarefe kasher e responsável pela circuncisão, geralmente a mesma pessoa), stolher (carpinteiro), katzev (açougueiro), shister (sapateiro), shornek (seleiro), guechefztzman (negociante), kowel (ferreiro), balgule (carroceiro), modisque (costureira), sherer (barbeiro), shnaider (alfaiate), bube (parteira) e docter (médico). O rabino era Marcos (Mordechai) Guertzenstein (1868-1949). E havia os nomes espirituosos das ruas, sempre em iídiche, claro, e carregando conceitos – “dos grã-finos”, “dos cachorros” etc.
Essas colônias pioneiras no Brasil eram um paraíso para esse povo acostumado ao preconceito e à incompreensão. Acostumados às adversidades, os judeus veem na educação e na adesão a atividades culturais e médicas seus portos seguros. Os imigrantes então fundaram uma escola em Philippson, cujo ensino era realizado em português e acolhia os brasileiros nativos. Em Quatro Irmãos ocorreu algo semelhante. O forte da escola, na cidade do noroeste gaúcho, era o teor bilíngue. Havia um professor de português e outro de hebraico e iídiche. Mas havia um problema: o plantio de mandioca levava os colonos a se concentrar nessa atividade, vista como a principal alternativa. E era comum na escola a falta das crianças ser justificada com “plantando mandioca”.
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O mate fervendo
Os colonos haviam trazido da Rússia os seus samovares e, à noite, sentavam-se em volta da mesa para um chá em família e com os amigos. Nem precisavam sorver o chá com um torrão de açúcar preso entre os dentes, porque o açúcar era maravilhosamente abundante pelas bandas gaúchas onde chegaram. Mas… claro, o chimarrão era uma forma de se introduzir aos hábitos locais. Logo, devia-se aprender a apreciá-lo. Os gaiatos, então, ensinaram que, depois da primeira sorvida, caso não aguentassem a amargura e a quentura da beberagem típica, símbolo de hospitalidade, dissessem “mais quente!” Como os colonos ainda não sabiam português seguiam o “conselho”. E o anfitrião esquentava. E ele pedia ainda mais quente. E o anfitrião esquentava, já achando uma descortesia reclamar da erva fria. Foi então que, conforme Moacyr Scliar, certa vez o anfitrião deu ao colono judeu a erva com a água fervendo, e este disse, em iídiche, para não ser entendido: “Sol er mich harguenen! Mehr trink ich nischt (Que me mate! Eu não bebo mais!).”
E havia as reuniões sociais, com músicas cantadas e tocadas em instrumentos de corda e sopro pelos próprios colonos, dança e debates sofre temas de interesse comum. Muitos casamentos eram celebrados. Além do memorial, outro local de visitação é o cemitério judaico. É ali que jaz boa parte dos pioneiros que atravessaram o mundo buscando uma vida melhor para seus descendentes. Tombado como patrimônio histórico municipal em 6 de maio de 1997, o cemitério abriga os corpos de 172 pessoas no alto de uma coxilha em meio a eucaliptos. São 84 homens, 71 mulheres e 17 crianças, conforme levantamento de Samuel Chwartzmann. Outro levantamento, de Marcos Feldman, dá conta da existência de 171 corpos – 82 homens, 72 mulheres e 17 crianças. A diferença é mínima, e os dados precisos, de difícil comprovação, porque nem todas as lápides estão preservadas. O cemitério sofre com o desgaste do tempo e ações de vândalos. E a disposição dos corpos atende a costumes antigos: homens, mulheres e crianças separados. Os nomes das pessoas estão inscritos em iídiche. Muitas letras foram apagadas pela ação do tempo. Os últimos enterros no local, de Gregório Maguilnik e Nechame Iovchelovitch, ocorreram em 1979, encerrando as atividades iniciadas em 1913.
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A degola que rompeu a paz
As lembranças dos colonos invariavelmente são dos plantios e do gado com a letra alef (a primeira letra do alfabeto hebraico) nas ancas, do dia inteiro na escola e a ajuda no trabalho dos pais quando havia tempo, os banhos no rio, os jogos de gude e amarelinha, a música, as festas, o teatro, a vida em comunidade simples, pacata e prazerosa.
A singeleza era rompida apenas pelos pesadelos, irreais e reais. Nos dias 3 e 4 de dezembro de 1924, Quatro Irmãos foi invadida pelo bando do ‘coronel’ Favorino Pinto e seus filhos, Heráclides, vulgo ‘Pretinho’, e, Apolinário, vulgo ‘Lulu’, antigos maragatos que pertenceram às hostes do general Portinho, e depois a coluna de Leonel Rocha. Dias antes da invasão, num baile na região, ‘Pretinho’ assassinara o gaiteiro. Preso, fora solto pelo grupo do pai, que aproveitou o momento para incorporar-se à Coluna Prestes. A relação das barbaridades cometidas em Quatro Irmãos vai do assalto a casas, depredações das lavouras, extorsões, roubo de gado e cavalos, e culminam no ignóbil assassinato do sexagenário David Faiguenboim, degolado na estrada que levava de sua gleba a Quatro Irmãos e escondido num capão de mato. O seu corpo foi encontrado, depois de muita procura, pelo colono Uscher Galodnik.
A imigração organizada no Rio Grande do Sul, com a coordenação da ICA, encerrou-se em 1926. Foi quando a ICA fechou seu escritório local e transferiu a propriedade dos lotes para os respectivos ocupantes depois de receber o saldo dos créditos. Na década de 1920, portanto, judeus de Quatro Irmãos se espalharam por diversas cidades brasileiras.
Mas tudo começou ali.
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Leia minhas colunas sobre este assunto nas últimas semanas:
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> > Seria Jack Sparrow um judeu fugido do Brasil?
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Shabat shalom!
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Foto da Capa: Escola Religiosa Colônia Philippson- 1930