Pronto! Todos os Beatles são octogenários a partir deste sábado.
Começou com o Ringo e o John, em 2020. O Paul foi em 2022.
Agora, o George, neste 25 de fevereiro.
É meio assustador, porque esses caras sempre vão ser meu padrão de juventude.
O George era o garoto convidado pelo Paul pra entrar na banda. O John quase vetou, porque era muito guri. Mas aí ouviu a absurda sonoridade do seu solo. Impossível vetar.
Particularmente, tenho uma história com os Beatles que é meio estranha. Como todo adolescente, pinta aquela necessidade de ter uma referência. Eu tinha no futebol. O Everaldo, o Tarciso, o Ancheta, o Iúra, o Oberdan, Tadeu, o Vitor Hugo, o Catimba, o Eder.
Mas a arte é a panaceia.
E ela veio ao natural.
E, primeiro, veio o George.
Eu tinha uns LPs e uns compactos. Os LPs: de novelas (adorava o do Cavalo de Aço), Jair Rodrigues, Clara Nunes, Geraldo Vandré. Os compactos: Deep Purple, Creedance e… George com My Sweet Lord, Paul McCartney com My Love, Beatles com A Hard Days Night e Os Incríveis com Giramundo. Era pouco? Era. Mas como eu ouvia!
E era eclético. Tinha que ser eclético.
Tchê, eu adorava.
E o George tinha uma magia só dele. Lá sei eu. O nome “Harrison” desde cedo me passava a sensação de velocidade (ele curtia automobilismo) e solo de guitarra. Cabelo ao vento, bigode transgressor (eu uso bigode hoje por causa dele), calça colorida e psicodelia.
Sei que é bobagem, mas vou dizer: Harry Son. Filho do Henrique.
Meu pai era Henrique.
O fato é que, se os Beatles sempre foram e sempre serão meu ideal de juventude (“Idade é uma coisa do calendário”, já dizia o longevo craque Zé Roberto), o George era o guri entre os jovens, o cara que introduziu a piração mística, a meditação. Me soava a LSD.
Por favor, moralistas de plantão: saibam que o Dante escreveu a Divina Comédia, indo do inferno ao céu no século 13, sob o consumo de altas doses de canabis.
É sério isso! Eu acho… li em algum lugar.
Mas, se for verdade, é o maior barato! Então, decidido: é verdade.
Mas deixemos o Dante. Estamos falando de outro(s) gênio(s).
Ah, sobre gênios, o Adolfo Bioy Casares, em A Invenção de Morel, contava que uma imagem congelada eterniza, mas jamais terá vida, porque a vida depende do novo, e a fotografia nunca terá o novo. Fica ali a imagem. Bioy Casares escreveu sobre isso nos anos 1940, muito antes da era digital, da doideira virtual. Entenda o que nos leva a chamar alguém de gênio.
Foco, Léo!
John, Ringo, Paul e George eram gênios.
E o George era o garoto prodígio dos meus heróis.
Estranho… eles subverteram a invenção do Morel. Viraram imagem como banda, mas estão presentes em cada novidade. São o clássico do clássico. Nada pode ser maior.
…
Comecei com meus limitados compactos ecléticos da infância analógica. Mas evoluí. Eu tinha os meus queridos amigos do Colégio Israelita Brasileiro e minha turma amada de Capão, lá do Edifício Aymoré. Aí, comecei a andar com o Rodolfo também aqui em Porto Alegre. Irmãos juramentados por muitos bauras, cogus e promessas de amor eterno! E o Rodolfo me apresentou pro André, pro Veco, pro Carlinhos, pro Bertrand.
Era a minha turma de infância fora da redoma do colégio israelita. E eram músicos. Tchê loco, somos amigos até hoje, daqueles de intimidade que nunca termina.
Ah, a banda deles se chamava Panaceia (sim, eu disse ali em cima que a arte é uma panaceia, né?), e a gente viajava muito, literal (pro Interior) e simbolicamente (por tudo).
Tantas histórias… minha paixão pela música se amplificou com o advento da panaceia do Panaceia, que tocava músicas lindas na garagem da casa do André, na rua Barão de Ubá. A turma do Israelita já era muito musical, mas nada que se compare a sacolejar por aí com uma banda, conhecer cada instrumento. Acho até que eu tenho um baita ouvido pra música. Mas sou preguiçoso pra caramba. Creio que minha musicalidade reprimida ganha voz no texto.
Certa tarde modorrenta de domingo, eu estava ouvindo música com o Carlinhos no apê dele, ali na Ramiro, e ele pôs o Abbey Road. Minha vida mudou quando ouvi o lado B, que começa com Here comes the sun. E o sol entrou na minha vida, incendiou a minha alma.
Se eu fosse pruma ilha deserta e tivesse que escolher um disco, levaria Abbey Road. Se a sugestão fosse generosa e me permitisse levar comigo 13 discos, levaria os 13 deles, com certeza, todos eles, de Please Please Me a Let it Be. Me bastam pra ser feliz.
E o George era o guri da turma…
Agora, como virei beatlemaníaco? Lá sei eu. Eu curtia muito. Tatuei uma maçã (azul) no braço aos 16 ou 17 anos, e meus amigos começaram pensar em mim quando ouviam a banda. Um amigo punha músicas dos Beatles ao contrário pra me testar. E eu acertava!
Virou marketing pessoal. Mas ao natural. Era verdadeiro.
Eu ouvia o tempo todo! Quanto mais ouço, mais gosto…
(sim, a frase acima foi escrita no presente)
Ainda antes de virar jornalista, na facul, fiz dois trabalhos que me marcaram muito. Frequentei o jornal alternativo (contra a ditadura que reprimiu nossa juventude) Denúncia (do queridíssimo Carlos Alberto Kolecza, pai do Bertrand, mas isso só foi uma feliz coincidência) e escrevi um roteiro prum programa sobre Beatles pra rádio RCC (de Pelotas), do pai do meu também amigão de infância Marcello Laurent, conhecido como “Loló” e “Gardel”.
Espero que você saiba quem foi Gardel.
Prefiro que não saiba o que era Loló. Uau!
Tudo na juventude.
E os Beatles eram meu modelo, meu Dorian Gray ao contrário.
Agora, o George emplacaria 80 anos se não tivesse morrido naquele novembro de 2001.
Tem muita história boa pra contar. O Veco hoje é guitarrista do Nenhum de nós. Tem um solo de guitarra que não nega a fonte. Aprendi a gostar da banda Yes por causa dele, ouvindo aquele disco verde na casa da Santa Cecília. Bah, Veco, e quando a gente foi duas vezes a pé até os dois únicos shows do Peter Frampton no Gigantinho?! Inesquecível, amigão!
Tchê, que saudade da “nossa linda juventude” (a banda 14 Bis e a música mineira em geral sempre foram outra enorme referência. O Veco tem um baita trabalho sobre isso). Ainda bem que a amizade nunca termina (o Carlinhos outro dia mandou um vídeo no WhatsApp tocando o Medley do Abbey Road, o melhor som já produzido por um ser humano).
E ao George eu sempre direi “something”: “’My sweet lord’, ‘I need you’”!
Give me love!
…
Em Zero Hora e até na Folha de SP, levei essa fama de beatlemaníaco pra dentro das redações. De novo: não sei como! Pintava uma pauta, e, mesmo havendo outros caras que manjam mais de música em geral e acho que até de Beatles em particular, eu me deliciava fazendo a reportagem ou me esbaldava no texto confessional (leia dois exemplos aqui abaixo).
Até nos livros que escrevi, se você fuçar bem, vai achar algo de Beatles.
Contrabando puro! Mas a causa é justa.
É amor tatuado na pele e na alma!
Salve George!
…
E shabat shalom!