Começo esta coluna com um raciocínio básico que deve vir como epígrafe de qualquer judeu antes de falar sobre o preconceito de que é vítima. É essencial que, de antemão, todos saibam disto:
Vamos combinar?
Negro diz o que é racismo.
Homossexual diz o que é homofobia.
Judeu diz o que é antissemitismo.
A isso chamamos “lugar de fala”.
Querem nos negar até o lugar de fala?!
Obs: vale também para a modalidade estrutural.
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Outro dia, vi um debate incrível do cientista político André Lasjt com um suposto entendido de Oriente Médio, notadamente cheio de boa vontade. O debate dura exatas três horas e quarenta minutos, e o defensor da causa palestina deita a falar sobre Israel e o contexto da sua refundação naquela terra que já foi Judeia e depois, por arte e graça do império romano, recebeu o nome de Palestina, numa referência aos filisteus (filisteu era o gigante Golias que lutou contra o Rei David, lembra?). Enfim, o cara carrega nos jargões sobre “imperialismo”, “colonialismo”, uma coleção de clichês e jargões muito bem encadeados que seduzem fácil o ouvinte. O cara é convincente, até que chega o André e o demole, constrangedoramente. O cara vira uma pasta olhando o André dar contextos e preencher as várias lacunas que ele deixou. Só não senti pena porque não consigo sentir pena do sedizente humanista que defende o que aquele cara defende.
Mas me convenci de algo que já dava voltas na minha mente. O problema são os “mas”, os “poréns”, os “no entantos” seletivos.
Se voltarmos a rigorosamente todos os “poréns”, chegaremos à conclusão inescapável de que todos têm suas razões, todos devem ser reconhecidos em seus direitos e respeitados em sua necessidade de existir, coexistir e defender sua integridade.
E não pense que esse é um recado magnânimo. Não! Porque só quem não reconhece o outro nessa equação toda são os terroristas do Hamas, da Jihad e outros que se criam por aí com seus estatutos genocidas que defendem destruir Israel e aniquilar os judeus, lá e em todo o mundo (eles não querem o “Estado Palestino”, querem um califado regido pela sharia). Salvo exceções muito minoritárias, os judeus, que são originários daquele lugar (são os indígenas em seu lar ancestral), reconhecem o direito dos árabes (igualmente indígenas). O tão demonizado movimento sionista é tão somente uma busca de autodeterminação judaica, em sua esmagadora maioria reconhecendo a necessidade de convivência com os árabes locais em seu desejado e também justo futuro Estado (os palestinos).
O problema é a seletividade no “porém”. Em tese, eu não discordo de muitas colocações feitas por amigos pró-Palestina, até porque eu próprio juro que sou pró-Palestina (ao lado de Israel). Vejo falarem dos ataques de Israel como se, PORÉM, não fossem uma busca de 200 reféns e a reação contra terroristas genocidas que cometeram um pogrom inacreditável e se escondem atrás de civis. Vejo falarem do “cerco” a Gaza (“apartheid”, dizem eles, exasperantemente!) como se, PORÉM, Gaza não tivesse sido tomada pelo Hamas há quase 20 anos e passado a usar homens-bomba e foguetes que só assim foram contidos. Eu concordo com eles. Porém…
…Porém, é inadmissível não condenarem o pogrom violentíssimo e, por outro lado, condenarem a reação de Israel como se fosse algo deliberado para matar, um “apagamento étnico” (dizem assim!), porque é exatamente o oposto. O Hamas tem como missão o apagamento étnico de Israel e dos judeus (TÁ NO ESTATUTO DELES!!! É fácil achar na internet!); jamais Israel atacou deliberadamente, nem sob seu pior governo (que, convenhamos, é o atual, de extrema direita), e as próprias “ocupações ilegais” (sou contra elas!) são, PORÉM, fruto dum conflito. Entendam! Tenho certeza de que a compreensão depende da boa vontade (PORÉM, exatamente esse é o problema).
…
Leia aqui três textos que escrevi recentemente sobre este assunto aqui neste generoso e qualificado espaço da Sler:
- Antissionismo é antissemitismo
- Compreenda o conflito israelo-palestino
- Efeitos do antissemitismo estrutural
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Juro, leitores queridos da Sler: eu quero mudar de assunto.
Mas, por ora, é impossível.
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Um amigo e colega de profissão, de quem sempre gostei muito, fez post reclamando do uso da palavra “antissemitismo”, que, segundo ele, estaria sendo mal aplicado. Não me contive. As redes sociais são antissociais, mas estão ali para terem seus espaços bem preenchidos. Precisei comentar assim:
“Essa premissa está cheia de lacunas.
1) Querer o Estado Palestino (sou defensor ardoroso dessa causa) nunca foi o problema, o problema é negar a legitimidade inquestionável de Israel existir;
2) Justificar o pogrom genocida (aí sim essa palavra se aplica, porque genocídio é a ação deliberada de eliminar um povo, e é exatamente o que o Hamas quer, expressamente) do grupo terrorista e fundamentalista Hamas, que já assassinou ou sequestrou pessoas das minhas relações (vejam bem o quanto isso é forte, se vocês realmente têm empatia!), é 100% antissemitismo;
3) Demonizar o Estado de Israel por buscar os 200 reféns e neutralizar o grupo terrorista e genocida Hamas é, sim, antissemitismo estrutural (sou crítico ferrenho do Netanyahu, a quem quero ver preso, mas estamos falando de outra coisa);
4) Falar nas (tristes e condenáveis, mas com o devido contexto) ocupações israelenses e no cerco (parcial) a Gaza ignorando que são decorrência de um conflito e de ataques constantes com homens-bomba e foguetes na época em que as necessárias barreiras foram erguidas é má vontade com os judeus;
5) Ignorar os vários posts de judeus (oi!) que pedem mais compreensão e menos maniqueísmo é antissemitismo estrutural;
6) Tentar descaracterizar a identidade de uma etnia resiliente de 4 mil anos pra negar seu direito ao único (e pequeno) lugar no mundo onde ela não é minoria, depois de tantas e tão terríveis (inquisição, cruzadas, pogroms, Holocausto) perseguições na diáspora, é antissemitismo estrutural;
7) Realizar um ato na Cidade Baixa justificando o pogrom monstruoso do Hamas é N-A-Z-I-S-M-O;
8) Atribuir as piores perseguições de que fomos vítimas justamente a nós em contextos de autodefesa é sarcasmo antissemita;
9) Pinçar uma minoria absurda de capitães do mato judeus ou um grupo ultraortodoxo lunático (Naturei Karta), que só quer a existência de Israel (mas quer!) depois da “chegada do messias”, é desonestidade intelectual antissemita;
10) Distorcer o significado do movimento de autodeterminação judaica sionismo com suas diversas vertentes (a de esquerda, lindíssima, foi onde se formaram ‘companheiros’ como Jacques Wagner, Paul Singer, Bernardo Kuzinski e Alberto Dines) é antissemitismo escancarado.
Dez itens e uma conclusão (que volta ao início desta coluna): o lugar de fala pra dizer o que é ou não é antissemitismo é judaico.”
E nos negar até mesmo o lugar de fala, além do nosso lugar físico, é devastador antissemitismo.
Sem mais.
Shabat shalom!