Muitas pessoas, cegas pela paixão, por terem encontrado a sua cara-metade, diante da possibilidade de cumprirem um projeto de vida que é “casar e ter filhos”, entram em um casamento ou em uma união estável, sem tomarem o devido cuidado com o seu patrimônio, sua herança, e com a diferença de renda dentre os integrantes do casal. Lá pelas tantas, que pode até ser um curto espaço de tempo, percebem que não são um casal de verdade, ou que o príncipe é um sapo e ela uma interesseira, ou vice-versa. E essa triste história acontece tantos nos casamentos quanto nas uniões estáveis dos ricos, remediados e pobres, cultos e ignorantes, dos heteros, das pessoas do mesmo sexo, e até mesmo naqueles casais em que um é advogado.
Uma boa forma de mitigar os problemas quando tudo dá errado e o casal resolve se separar é a realização de Pacto Antenupcial e/ou de um Contrato de Convivência na União Estável.
Como o próprio nome diz, o Pacto Antenupcial é algo que ocorre antes do casamento. Ele é feito com o intuito de estabelecer o regime de bens que será aplicado ao matrimônio, pois na ausência do mesmo, o regime adotado será o da comunhão parcial de bens. Sobre os regimes existentes, vale conferir meu artigo a respeito, publicado aqui na Sler, em 18 de julho de 2022.
O Pacto Antenupcial é um contrato formal, previsto no artigo 1.653 a 1.657 do Código Civil, em que as partes regulam as questões patrimoniais do casamento e, embora seja controverso, até mesmo condições extrapatrimoniais, desde que não contrariem lei, conforme se verifica no enunciado nº 635 das Jornadas de Direito Civil. Mesmo assim, em que pese para muitos advogados e doutrinadores seja possível a estipulação de condições extrapatrimoniais, no Brasil muitos ainda entendem que o Pacto Antenupcial deve tratar apenas das condições patrimoniais.
As cláusulas extrapatrimoniais poderiam, por exemplo, tratar do tipo de educação e religião a ser ensinada aos filhos, da responsabilidade dos integrantes do casal pelas tarefas rotineiras, dos limites de exposição dos integrantes do casal e filhos nas redes sociais, e até mesmo estabelecerem multas ou cláusulas aplicáveis em caso de infidelidade. Contudo, vale frisar este tipo de cláusula ainda gera discussão no Brasil.
Por se tratar de um contrato formal, o Pacto Antenupcial precisa ser feito por escritura pública no Cartório de Notas. Sem o cumprimento desta formalidade, será um negócio jurídico nulo. Outrossim, ainda que seja realizado por escritura pública, será ineficaz se não ocorrer o casamento. É um negócio jurídico que só produzirá efeitos com a realização do casamento. Ressalte-se, ainda, que de acordo com o disposto no artigo 1.657 do Código Civil, para que o Pacto Antenupcial gere efeitos perante terceiros é necessário que ele seja averbado em livro especial pelo oficial do Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges.
Em razão do disposto no Art. 1.639 do Código Civil, é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. Assim, pode ser acordada também a criação de um regime próprio de bens, misturando características de dois regimes, um híbrido que, por exemplo, poderá estipular que com relação os bens imóveis a partilha deverá levar em conta o regime da comunhão parcial de bens, mas que seja aplicada a separação total de bens, em relação aos investimentos ou a outros bens integrantes do casal. Poderia também excluir da comunicabilidade o crescimento patrimonial de uma empresa cuja participação acionária fosse apenas de um cônjuge anteriormente ao casamento ou à união estável, ou que ele venha a herdar durante o casamento, a abertura de outras empresas ligadas ou coligadas a acima referida, o crescimento patrimonial decorrente das fazendas de um deles, etc…
Conforme disposição referente ao Pacto Antenupcial, constante do Código Civil, é “nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei”. Deste modo, se uma cláusula colidir com norma de ordem pública, a parte que a estiver infringindo será nula. Entretanto, será retirada apenas a parte nula, o restante da cláusula que não contrariar o ordenamento jurídico será mantido, em razão da aplicação do princípio da preservação dos negócios jurídicos.
Vale transcrever três exemplos sobre a aplicação desta norma acima, mencionados pelo professor Flávio Tartuce, no Manual de Direito Civil, Volume Único, 5ª edição, 2015, p. 1179, Editora Método.
“- É nula a cláusula que exclui o direito à sucessão no regime da comunhão parcial de bens, afastando a concorrência sucessória do cônjuge com ascendentes (STJ, REsp 954.567/PE, 3ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 10.05.11, DJE 18.06.2011).”
Vale salientar, que de acordo com o projeto do novo Código Civil, vide meu artigo publicado aqui na Sler, no dia 06 de maio recente, o cônjuge não será mais herdeiro e, portanto, esta cláusula que permite a exclusão do cônjuge como herdeiro, não teria mais qualquer vedação.
“- É nula a cláusula do pacto antenupcial que afasta a incidência do art. 1.647 do CC nos regimes da comunhão universal e da comunhão parcial de bens, por prejudicar a meação da esposa.
– É nula a cláusula que consagra a administração exclusiva dos bens do casal pelo marido, enunciando que a mulher é incompetente para tanto. A previsão é nula por estar diante da isonomia constitucional entre homens e mulheres.”
Cumpre informar que no regime da participação dos aquestos, veja meu artigo publicado na Sler, em 18 de julho de 2022, é possível convencionar a livre disposição dos bens imóveis desde que particulares, pois nesse regime há uma separação convencional de bens.
O Pacto Antenupcial pode ser alterado mesmo depois do casamento, mas eventuais autorizações precisarão ser submetidas ao judiciário.
Ao Contrato de Convivência na união estável aplicam-se os mesmos entendimentos acima mencionados, todavia o Contrato de União Estável pode ser celebrado quando as pessoas decidirem iniciar a união estável, ou depois que ela já tiver começado, o que é mais frequente. O contrato de convivência poderá ser feito tanto por escritura pública, que deverá ser registrada no Cartório de Notas, quanto por instrumento particular que deverá ser assinado por duas testemunhas, o qual recomendo, também seja registrado no Cartório de Notas.
Em caso de alteração, de modo diverso do que acontece no Pacto Antenupcial, as partes em uma união estável não precisam submeter suas necessidades de alteração do Contrato de Convivência ao exame do judiciário. Elas poderão fazê-la por escritura pública ou instrumento particular.
Destaque-se também que a alteração do regime de bens do casamento tem efeitos a partir do trânsito em julgado da decisão que a homologou, e os fatos anteriores a esta data, serão regidos pelo antigo regime. Com relação à alteração do regime de bens da união estável, ela também não poderá retroagir, e deverá ser registrada em acordo o disposto no Provimento nº 37 do Conselho Nacional de Justiça e com o disposto no Provimento 131 que especifica os documentos necessários.
Ressalto, que o regime legal aplicável aos casamentos e às uniões estáveis, se nada for feito, será o da comunhão parcial de bens, que vale lembrar determina que comunicam-se os bens havidos durante o casamento, com exceção dos incomunicáveis que são:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Como mencionei acima, há controvérsia sobre a possibilidade de um Pacto Antenupcial conter cláusulas de natureza patrimonial e extrapatrimonial. Deste modo, para que não haja problemas que possam impactar a validade do Pacto Antenupcial ou até mesmo do Contrato de Convivência na União Estável, recomendo que se as partes quiserem estabelecer condições extrapatrimoniais, as façam em um outro Pacto Antenupcial ou em um outro Contrato de Convivência na União Estável, o qual pode ser assinado simultaneamente com o instrumento referente às condições patrimoniais. Isto, além de mitigar eventuais problemas com relação a validade das cláusulas, protegerá a privacidade das partes, no caso de terem de mostrar esses documentos para terceiros, como, por exemplo, ocorre quando se vende um imóvel financiado para um banco. Em uma circunstância como esta, as pessoas envolvidas na transação imobiliária não precisarão ficar cientes das obrigações de caráter íntimo do casal, e a privacidade do casal ficará protegida.
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