Com frequência verificamos casos de pais que, após a separação ou divórcio, acabam tendo uma grande resistência em pagar alimentos para os filhos, mesmo quando possuem uma excelente situação econômica, patrimonial e renda.
Os motivos para tanto são muitos: mágoas mal resolvidas, vingança pela rejeição, avareza, vontade de usar os seus recursos em favor de novos parceiros, ou com os filhos da sua nova união ou casamento. Isso não importa. Cada pessoa tem uma cabeça e uma neurose diferente, e nem mesmo elas e seus analistas conseguem muitas vezes entender algumas atitudes.
Mas para essas situações em que falta a razoabilidade existe o direito para, ainda que seja sob a força da espada da justiça, mitigar ou resolver esses problemas considerando os parâmetros legais e a situação de cada pessoa envolvida nessas controvérsias referentes ao pagamento de alimentos.
Muito do que será escrito aqui também se aplica nos casos de pagamentos de pensões para ex-mulheres, ex-maridos, companheiros, outros ascendentes ou descendentes, até mesmo para os irmãos. Mas o foco deste artigo está na recusa de alguns pais em pagarem alimentos razoáveis, necessários e possíveis para os filhos, mesmo quando têm recursos mais do que suficientes para realizarem tais pagamentos e continuarem a viver no mesmo padrão que sempre viveram.
Para fugirem de tais obrigações, a alegação mais frequentes é que, de acordo o Código Civil, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção dos seus recursos. E com base nessa disposição legal muitos, em ótima situação financeira, mesmo sabendo que a outra parte não tem condições de suprir as necessidades dos filhos, que não se encontra em um bom momento profissional, ou está até mesmo fora do mercado de trabalho há anos, alegam que eles não possuem tantos recursos quanto a outra parte. É de chorar de tristeza e de vergonha alheia. Eles não percebem que as sequelas e mágoas dos filhos permanecerão pelo resto das suas vidas, e que um dia eles poderão retribuir tamanha generosidade e demonstração de amor …
A este passo vale salientar que o pagamento de alimentos decorre dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade familiar. Os alimentos visam suprir as necessidades vitais da pessoa, incluindo, mas não se limitando, a saúde, moradia, vestuário, lazer, educação, e, de acordo com o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fachin, devem ser concebidos como um patrimônio mínimo. Isso não quer dizer que sempre haja a obrigatoriedade de manutenção da condição (status quo) do alimentando. Obviamente essa pensão deverá ser fixada levando-se em conta as necessidades pessoais de quem receberá a pensão, e a possibilidade de quem paga. Esse é o famoso binômio alimentar. Cumpre destacar que para a Professora Maria Berenice Dias, que é sem dúvida um dos grandes nomes do direito de família o Brasil, haveria na realidade um trinômio constituído pela proporcionalidade, necessidade e possibilidade.
Para melhor entendimento, usaremos como exemplo o caso de um pai que mesmo tendo uma renda muito maior do que a mãe do alimentante, resolve jogar para ela a responsabilidade de arcar com os gastos que o filho tem e sempre teve, e que são normais para filhos cujos pais vivem juntos e que detém uma excelente situação econômica, mas que se depender somente da renda da mãe, ela não terá condições de pagar, sem rapidamente dilapidar seu pequeno patrimônio, muitas vezes menor do que o dele.
Suponhamos que o filho desde criança tenha estudado em determinado colégio, tenha feito aulas de inglês em um curso particular, tenha requentado o clube com seus amigos, onde praticava esportes que encareciam a mensalidade. Era acostumado a viajar nas férias com os pais e colegas, fazia terapia com um bom psicanalista, comprava roupas de melhor qualidade, tinha um cachorro, era acostumado a ter equipamentos eletrônicos de boa qualidade, e o pai, mesmo tendo condições para continuar a suportar tais gastos sem qualquer problema, por mesquinharia ou outros sentimentos negativos, resolve dizer que não está em condições de pagar. Diz para o filho, na maior “cara de pau”, que ficou pobre de uma hora para outra, mas contradizendo sua versão dos fatos, continua a levar o mesmo estilo de vida que sempre levou e que obviamente não condiz com a sua falsa pobreza.
Quando essas situações ocorrem é muito comum que a mãe do alimentando requeira em juízo que sejam apresentadas as declarações de imposto de renda do pai da criança, juntar aos autos matrículas de imóveis em nome do pai, informar as placas dos automóveis do alimentante, verificar na junta comercial se ele não criou empresas para esconder seus rendimentos, etc. Mas muitas vezes isso não adianta muita coisa, pois o alimentante esconde muito bem o seu patrimônio, colocando-o em nome de terceiros, e ele alega que o patrimônio não é dele. Outras vezes tais pais alegam que os imóveis ou empresas que lhe dão sustento fazem parte de uma “holding familiar”, não pertencem somente a ele, e se recusam a apresentar as declarações de imposto de renda dele e da “holding familiar” e, o que é pior, o pedido de apresentação desses documentos são indeferidos pelo juiz responsável pelo caso.
Outras vezes, eles apresentam declarações de renda completamente inconsistentes com o que sempre ganharam e gastavam com a família, que se bem analisadas evidenciam uma tremenda fraude fiscal, e a prática do crime de sonegação fiscal envolvendo boa parte da sua família, pois são sócios na mencionada “holding” familiar. Nesses casos, obviamente um pedido de desconsideração inversa da personalidade jurídica da pessoa jurídica, leia-se da “holding”, se deferido, pode ser a solução do problema.
Alguns chegam ao ponto de não abrirem o inventário dos seus genitores para que não sejam vistos como alguém hábil e em condições de arcar sem problemas com as despesas dos filhos. Vergonha é o que realmente lhes falta, e não o dinheiro.
Nessas circunstâncias, vale também alegar a famosa “Teoria da Aparência”.
Teoria da Aparência
Pela teoria da aparência presume-se que alguém, no caso o “alimentante”, pode arcar com determinada obrigação, no caso “alimentos”, em razão dos sinais de riqueza que apresenta para a sociedade. Por exemplo, alguém que dirige um automóvel caro, que mostra nas redes sociais suas férias em outros países, em lugares caros, que mora em um apartamento maravilhoso, grande, caro, que passa as férias regularmente em uma casa de praia em um local frequentado somente por quem tem muito dinheiro, é visto regularmente nos melhores restaurantes, bebendo vinhos e bebidas importados, obviamente não é o pobretão ou o classe média que consta na declaração do imposto de renda. É, pois, presumivelmente alguém com excelente situação econômica, que não bastasse lesar a sociedade com a sua sonegação de renda, ainda prejudica os filhos, ou seja, o “alimentando” em razão da sua avareza, mesquinharia, sabe-se lá por que mais.
As redes sociais são um bom local para se procurar os sinais de riqueza dos falsos pobres ou classe média, pois muitos não se furtam de mostrar o seu sucesso, e às vezes, até mesmo amigos marcam fotos com eles nas redes sociais. Ao fazer os “prints” de tais publicações, recomendo tomar os cuidados referentes a autenticação digital, que elenquei nessa coluna.
Notícias em jornais, na mídia, mostrando o sucesso profissional do alimentante e sua posição destacada na sociedade também ajudam.
A teoria da aparência vem sendo aceita com frequência nos tribunais, e é referendada e utilizada inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça STJ. A este passo, transcrevo os seguintes trechos de um julgamento do STJ, AREsp 2029071MS2021/0370978-7, que utilizou a Teoria da Aparência para manter a condenação de um alimentante, que negava a sua riqueza alegando que o fato de constar em seu nome uma empresa agropecuária não comprovava a sua capacidade financeira de pagar à filha – maior, capaz, sem doenças, com 25 anos de idade – metade da sua aposentadoria para cursar medicina:
“Na espécie, o Tribunal a quo manteve o valor estipulado a título de alimentos, porque o recorrente ostentaria um padrão de vida incompatível com a alegada carência de rendimentos, o que deveria ser considerado, levando-se em conta a teoria da aparência…”
Espero que esse assunto tenha sido do seu agrado ou lhe ajudado, e em uma situação em que seu filho, outro alimentando ou você como beneficiário da pensão alimentícia esteja em dificuldade, use todas os meios legais que o ordenamento lhe permite. Às vezes a justiça demora, às vezes ela não acontece, e o alimentante ganha a briga judicial e sai feliz, sem se dar conta que a longo prazo ele perdeu muito mais, a admiração dos seus filhos ou até pais, caso eles sejam os alimentantes, para não dizer mais.
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