Tem sido intensiva
A aula sobre como é ser judeu
E se sentir à deriva
Nem as classes no colégio
Mostravam o peso
Desse triste privilégio
É de desamparo e solidão
O sentimento que dá
Ser o preferido pra vilão
Acuso até a pessoa culta
Que vê a força da onda
E, por conveniência, se oculta
É de onda que se trata
O discurso mainstream
Que domina e nos delata
Ah, o antigo amigo…
Que faz um silêncio
E te nega o abrigo
O trauma transgeracional
É um sentimento intenso
Que na teoria seria banal
Lembro dos meus avós
Sempre tão desconfiados
Até parece que ouço sua voz
Punham os pés na rua
E viam os narizes torcidos
Numa realidade crua
O destino deles foi devastador
Sofro ao reviver seu desespero
Luto pra não sentir a mesma dor
Diante do mal-estar
Já não se sabe bem
Para que lado andar
Se não existe lado
Entre caras e caretas
A opção é ficar parado
Nem sei mais o que posso dizer
Da demonização de Israel
E da desconstrução do meu ser
Até na crítica à violência
O dedo em riste não duvida
De supor minha anuência
A vida mudou no 7 de outubro
Desde antes da óbvia reação
Na inquisição eu me descubro
O malvado odeia sem variar
Seja onde ele estiver
O judeu não pode ter um lar
Antes deveria ir pra Palestina
Agora que já está lá
Deveria sair dessa Palestina
“Não se repita”, você ensina
E eu digo ser inevitável
Diante dessa tamanha sina
Mudo a rima, mas não a ideia
Aquela região tão repetida
Antes de tudo era a Judeia
Mas não adianta usar fatos
O que são eles diante do poder
Da distorção cruel de relatos?
Variam os nomes e as palavras
O que não muda é o cacoete
De nos mandarem às favas
Esse poema é de um judeu
Que exerce o direito
Ao lugar de fala que é seu
Já repararam na distorção?
As minorias têm lugar
Mas ao judeu se diz não
Defender o direito de existir
O sionismo é só isso
Mesmo que aceite dividir
Sempre foi nosso caminho
Voltar ao antigo lar
E conviver com o vizinho
Ser contra tal direito básico
Mostra em você um ódio
Com forte teor atávico
O ódio ao judeu é o gérmen
Tanto que pouco importam
As tragédias da Síria ao Iêmen
Sem motivo e com muito mais vítimas
Está claro que algo falta
Sem judeus, até soam legítimas
E aqui entra o ódio seletivo
Brigam por todas as minorias
Mas não pelo inimigo cativo
Daria até vontade de rir
Porque bater em Israel
Virou dogma tipo “fora FMI!”
Recorro ao poema e sua argúcia
Porque, ora, a prosa
Já não dá conta de tanta angústia
Dica de cinema
A Disney+ está nos dando dois presentões que vi no finde passado. Um é a minissérie feita a partir da conversa do Paul com o produtor Rick Rubin. Eles fazem um detalhamento das músicas dos Beatles, com recortes de instrumentos e faixas que são de arrepiar. Como é bom! E o Paul fala coisas interessantíssimas. Num momento, enche muito a bola do Ringo como músico, noutro como ser humano, cheio de frases inspiradas. De como eventuais erros viravam arte e eram mantidos. Fala no John também de forma diferente. Diz que hoje é um fã dos Beatles por ouvir com distanciamento. Vejam que legal! Que foi parceiro do amigo John, mas hoje se dá conta da enormidade de ter sido parceiro do John Lennon. Também comenta como o George cresceu musicalmente, como compositor. Adorei o momento em que ele fala que a fama foi importante porque todos gostam de ser reconhecidos. Achei que foi irônico ao dizer que “alguns gênios” não se importam com isso. Ironia ou só simplicidade? Enfim, um diamante. Vi todo no sábado. São seis episódios de meia hora, o que equivale a um filme de três horas. Outro presente da Disney+ é a cinebiografia dos Beach Boys. Maravilhosa! Mostra,como em vez de competidores, eles eram complementares aos Beatles. O Pet Sounds influenciou decisivamente na composição do Sgt Pepper’s, e isso é legal. Fica a dica pra quem ainda não viu.
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Shabat shalom!
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Foto da Capa: Memorial das vítimas do 7 de outubro / Reprodução do Youtube