Dois países, além do Brasil, mobilizam meus sentimentos. Claro que Israel, meu lar ancestral, o justíssimo refúgio da minha tão perseguida etnia, é um deles. E, depois, vem a Argentina, país onde não só morei por um tempo, mas onde considero que me lapidei como o jornalista que sou hoje. E justamente esses dois países pelos quais nutro imenso carinho estão em apuros.
Ambos vivem a ameaça do fascismo.
Israel
Comecemos por Israel. Uma enorme contradição se opera na terra do meu povo. O judaísmo tem, por natureza, o valor da pluralidade e da democracia. O respeito ao outro está em vários trechos da Torá e na sabedoria dos talmudistas. Não fazer ao outro o que não queres para ti é todo um resumo do Tanach (conhecido no cristianismo como o “Antigo Testamento”). Não sou eu quem digo isso, eu só tenho essa máxima tatuada na pele (e em espanhol). Mas quem a proferiu foi o “sábio dos sábios”, o Hilel.
Logo, o lar judaico está se contrapondo aos valores mais básicos do próprio judaísmo ao ser violentado por um político autoritário que, por sede de poder e necessidade de se safar da Justiça, desequilibra os Poderes do Estado, sufoca o Judiciário e ameaça transformar a terra de índole social-democrata num regime obscurantista de fazer inveja ao próprio Irã dos aiatolás. Bibi Nethanyahu & seus abutres (os ultraortodoxos com quem ele se aliou para conseguir maioria no Knesset) tentam implementar uma teocracia regida por interpretações rígidas da Torá.
Minha esperança é de que, diante de tantos protestos nas ruas israelenses e de uma comunidade judaica amplamente racional e ilustrada em Israel e na diáspora, o isolamento os derrote. Porque, veja bem, muitos defensores de Israel, em diversos fronts (incluindo o literal, porque há uma gurizada desertando do exército), não sentem a menor motivação para defender algo que não lhes diz nada -que, diga-se, é tudo o que sempre combatemos. Não gosto de usar a expressão “religiosos” para definir os ortodoxos, porque, na minha concepção de religiosidade (profundamente judaica), a Bíblia é uma fonte de reflexões e interpretações, e a evolução dos costumes é algo divino que tem relação estreita com a visão spinoziana de um Deus incorpóreo e de uma valorização da natureza humana em todas as suas faces, nas virtudes e nos defeitos que todos temos (não há santos).
O judaísmo é lindo e o nosso lar ancestral sempre foi a sua representação. Lutemos, de dentro e de fora, para que continue sendo, porque o risco é enorme de aparentemente tudo perder o sentido (digo “aparentemente” porque a luta pela existência de Israel independe do regime de turno que a administre, que isso fique claro. A Terra de Israel é intransigível).
Argentina
Agora, a Argentina e o “risco Milei”. Criaram um monstro! Escrevi nas minhas redes antissociais: “Há um perigo enorme nos rondando, cheio de armadilhas. O jeito espalhafatoso, maluco, desrespeitoso, cruel, desumano, cínico e reacionário do Javier Milei foi visto como oportunidade de captar audiência imediata pelas emissoras de TV argentinas. Ueba! Lucro à vista! Deram-lhe espaço e criaram um monstro que agora ameaça se tornar presidente da República. Os gestores dos veículos de comunicação argentinos, se realmente querem preservar o jornalismo, devem estar assustados. E os nossos, em especial na área esportiva, poderiam tomar esse ‘case’ na vizinhança como alerta. Vi outro dia um vídeo em que foi verbalizado algo que eu já desconfiava. Figuras espetaculares como o professor Ruy Carlos Ostermann (não foi à toa que postei recentemente uma foto dele comigo e com o Lauro Quadros) hoje não teriam vez, por serem ‘intelectuais’. Crescem figuras patéticas e infames chamadas ironicamente de ‘animadores de auditório’, que falam o que o torcedor médio de futebol quer ouvir, mesmo que seja algo desonesto, falso ou agressivo. Querem mesmo salvar o jornalismo? ‘!Ojo!’” Dado o recado, né? As primárias obrigatórias argentinas (uma espécie de pesquisa altamente precisa convalidada pelas instituições públicas) mostram Javier Milei em primeiro lugar nas preferências, seguido da centro-direitista Patricia Bullrich e do centro-esquerdista Sergio Massa.
A diferença entre os três é muito pequena, o que me leva a crer que seja inescapável, depois do primeiro turno em 22 de outubro, a realização do segundo turno em 19 de novembro (dificilmente alguém alcance 45 pontos ou 40 com 10 de diferença sobre o segundo colocado). E acho que o país (como o Brasil já precisou fazer e Israel também precisa) deve rumar para o centro, por sobrevivência. O inimigo comum, o fascismo, exige isso. E, mesmo que minha afinidade ideológica seja maior com o Massa, creio que a Bullrich será á tábua de salvação. Veja bem: Massa é uma “proeza” da centro-esquerda argentina. Em meio a uma brutal crise econômica (inflação chegando a 114% anuais e pobreza atingindo 40% da população), os caras conseguiram escolher como seu candidato justamente o ministro da Economia.
Ex-militante esquerdista (foi montonera) apesar do sobrenome tradicional, Patricia Bullrich terá de moderar o discurso amparado na segurança pública (ela foi ministra do setor no governo de Mauricio Macri) para atrair o eleitor progressista contra Milei. É questão de extrema urgência para o país. E se Milei vencer? Além da redução extrema do Estado, do menosprezo pelas políticas sociais e pela celebração do egoísmo e da maldade (o cara chega ao ponto de defender a comercialização de órgãos humanos, aparentando ignorar que pessoas pobres literalmente venderiam os próprios rins para dar uma vida melhor aos filhos), ele terá meia dúzia de aliados na Câmara e no Senado, as câmaras baixa e alta, que sempre fez questão de depreciar e combater (por ser “antipolítico”). Ou seja. Zero chance de dar certo, zero chance de aprovar projetos, zero chance de o país ir adiante. A Argentina vai atear fogo às próprias vestes caso esse maluco vença. Evitemos que isso ocorra.
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Shabat shalom!