Muitas vezes um casal, hetero ou homossexual, se separa de fato, ou seja, de modo informal. Assim, cada um segue seu rumo dissolvendo o núcleo familiar e, civilizadamente, se divorciam ou fazem a dissolução da união estável depois.
Alguns casais conseguem até mesmo se separarem de fato, se divorciarem ou dissolverem as suas uniões estáveis, e por conjunturas da vida, na sua maioria de natureza econômica, seguem dividindo o mesmo teto, mas levam suas vidas como solteiros que são. Já vi casos em que a ex-mulher por caridade, fraternidade, humanidade, recolheu o ex-marido que estava pobre, doente e precisava de cuidados, sem de modo algum ter retomado o casamento há muito terminado por um divórcio.
Nas relações humanas várias situações podem ocorrer. Há uns vinte anos, um “ex-casal”, ambos meus amigos, separado há décadas, e que não se viam há alguns outros tantos anos pediu que eu estivesse presente na audiência do divórcio, para testemunhar que eles estavam separados de fato há muito tempo. Quando eles se encontraram na sala da audiência, se abraçaram com um afeto imenso, a juíza chegou a perguntar se eles queriam mesmo se separar. Ambos riram, e disseram que era muita saudade e carinho, mas que ambos já haviam refeito suas vidas com outras pessoas, mas que apesar da separação eram amigos.
Infelizmente, nem tem todo mundo tem essa saúde mental, classe, empatia e capacidade de amar o ser humano. O que acontece com frequência em uma separação são brigas, xingamentos, e até mesmo violência. As pessoas acabam por mostrar o seu lado mais vil, mesquinho mesmo. São turras por causa da separação, da divisão de bens, das obrigações de alimentos, de quem vai sair de casa, e várias outras discussões. É como se os anos vividos juntos não tivessem bons momentos para serem preservados nem lembrados e o respeito e admiração não fizessem parte do vocabulário do casal. Um inferno! Não sendo suficiente, quando as brigas são de pessoas famosas, a imprensa e as redes sociais se deliciam com a tristeza alheia divulgando e publicando tudo o que sabem sobre as brigas dos famosos. Nas redes sociais surgem uma multidão de comentaristas, muitos invejosos ou cruéis, que tecem suas “ponderações” a respeito da desgraça alheia, mesmo sabendo que isso pode aumentar o sofrimento dos invejados. Desavenças vendem bem, geram curtidas nas redes sociais, e muita gente se conforta e se diverte em ver que os ricos, lindos e famosos também sofrem.
Seja como for, a informalidade da separação de fato pode trazer problemas de ordem patrimonial. Como juridicamente o “ex-casal” não está divorciado ou não foi extinta a união estável, futuramente, ainda que de má-fé poderá ser discutido o estado civil e a real situação jurídica de ambos, qual foi a data da real separação de fato, pois isso é muito importante para se avaliar qual o montante do patrimônio a ser partilhado pelos integrantes do “ex-casal”. Não é justo, por exemplo, que o marido ou a mulher, venham a requerer depois, no divórcio, a partilha de um bem comprado pelo ou pela “ex”, com recursos que ela ou ele juntou com o seu trabalho após a separação de fato.
Um problema que pode ocorrer em razão da informalidade da separação é a cobrança e a penhora de bens que na partilha ficariam para o ex-cônjuge ou para a ex-cônjuge ou ex-companheiro ou ex-companheira, porque depois da separação de fato, seu ou sua “ex”, por exemplo, contraiu dívidas, que só beneficiaram a ele.
Outrossim, em razão da informalidade da separação de fato, é sempre possível que o seu “ex” ou a sua “ex” acabe herdando as suas coisas.
Quando ocorre uma separação, é muito frequente que uma das partes não queira sair da casa, que uma ou ambas as partes queiram sonegar bens para que não sejam divididos, tentem limpar as contas bancárias do casal, vender, dilapidar ou sumir com os bens do casal, até mesmo com os bens particulares de um deles, por ganância, vingança, maldade, ou por se acharem mais merecedores do que a outra pessoa, que um dia juraram amar. Nessa situação, uma cautelar com pedidos de separação de corpos, bloqueio de metade das aplicações financeiras e de arrolamento e bloqueio da venda dos bens a serem partilhados pode ser de grande ajuda. Por exemplo, a indisponibilidade da venda dos bens, determinada judicialmente, com a anotação nos cadastros de trânsito impede que o veículo do casal seja vendido.
Por último, mas talvez até mais importante, poderá existir a necessidade da formalização de separação, para que sejam fixados, provisoriamente, os alimentos e a guarda dos filhos. Nesse momento, é muito importante que os pais, por mais sentidos que estejam um com o outro, pensem no bem estar dos filhos, tentem protegê-los ao máximo e, na medida do possível, evitem que eles fiquem no meio das suas brigas. Nessas circunstâncias, pode ser recomendável o ajuizamento de um ação cautelar de separação de corpos com pedido de alimentos provisórios e de guarda de menores, se houver, e dependendo do caso, também com pedidos de arrolamento de bens e bloqueio da metade das aplicações financeiras.
Vale destacar que para ocorrer a fixação de alimentos provisórios em favor do cônjuge necessitado, há de ser fortemente demonstrada essa necessidade. O entendimento jurisprudencial é no sentido que a obrigação de alimentos provisórios para o cônjuge é algo excepcional, e quando deferidos deve ser algo assistencial e transitório, que deverá persistir apenas pelo período necessário para o soerguimento do alimentado, seja por meio da sua reinserção no mercado de trabalho ou por outra forma.
É Importante deixar claro que para que uma medida cautelar seja deferida deverá haver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. Por exemplo, no caso de pedido de arrolamento e bloqueio de bens deverá existir o fundado receio de que poderá haver o extravio ou a dilapidação dos bens, evidencias de que o cônjuge está dilapidando os bens, que está na posse da maioria dos bens e impede que seu ex-cônjuge tenha acesso a eles, e que isso pode resultar em prejuízos para ele.
A este passo vale transcrever parte da ementa de Acórdão do TJ-MJ, publicada pelo site do “jusbrasil”:
“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. BLOQUEIO DE BENS PARA GARANTIR A EXECUÇÃO . CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CAUTELAR.do art. 301, do CPC, a tutela de urgência de natureza Cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Demonstrados os requisitos legais necessários, imperioso deferir a tutela de urgência de natureza cautelar, a fim de resguardar o objeto da lide até ulterior decisão de mérito. A indisponibilidade de bens visa evitar que ocorra a dilapidação patrimonial, logo não é razoável aguardar atos concretos direcionados à sua diminuição ou dissipação haja vista que exigir a comprovação de que tal fato esteja ocorrendo ou na iminência de acontecer tornaria difícil e inóqua a efetivação da medida cautelar em foco.”
Mencionei todos esses exemplos para que fique claro que uma separação de fato, em razão da sua informalidade, pode se transformar em grave problema, e que a regularização da situação do casal seja através de um divórcio ou de uma dissolução de união estável devidamente documentada é muito importante . Em uma situação dessas, por mais civilizadas que sejam as pessoas, recomendo sempre que procurem um advogado e tentem chegar a um acordo que seja razoável e proporcional para todos os envolvidos. Regularizem suas separações o quanto antes, uma vez que a decisão de se separar seja irreversível. Isso pode poupar muita dor de cabeça e dinheiro no futuro.
Importante ressaltar que a Lei Maria da Penha prevê uma série de medidas que podem ser adotadas pelas autoridades em caso de violência contra a mulher, o que não raro acontece quando um casal está se separando. Nesse sentido, ressalto que verificada a existência de risco ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I – pela autoridade judicial;
II – pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III – pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
Importante salientar que no caso de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.
Para os casos em que exista violência patrimonial contra a mulher, e isso ocorre muito nos momentos que antecedem e acompanham o processo de separação também existem várias medidas que podem ser tomadas. Sobre isso escrevi o artigo “Violência patrimonial contra as mulheres”, publicado no dia 19 de janeiro recente, aqui no Sler.
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