“Quero o funko da guria cientista” (Riri Williams). Esse foi o pedido do meu filho mais novo, Beni, 11 anos, ao sair do cinema após assistirmos “Pantera Negra 2 – Wakanda Forever”. Ele adora os bonecos Funko. Sempre que me perguntam o que dar para ele, recomendo que tragam um funko pop, é sucesso garantido.
A Funko Inc. é uma empresa americana que fabrica figuras colecionáveis da cultura pop, são pequenas estatuetas de vinil licenciadas e bobbleheads (aqueles bonecos que mexem a cabeça) que remetem ao universo de Harry Potter, dos super-heróis, da música pop, seriados de televisão. Até mesmo a recém falecida Rainha Elizabeth foi homenageada com um boneco personalizado.
A maioria dos personagens humanos retratados pela empresa é branca. As personalidades negras despontam entre os funkos musicais (Michael Jackson, Jimmy Hendrix), esportivos (Mbappé, astros da NBA) e aqueles vindos da série Pantera Negra.
A coleção do meu filho não é exceção, mas, agora, ele quer uma mulher, uma cientista negra, para colocar na estante.
Enquanto ele fala isso, penso em representatividade, em pensamento decolonial, em afrofuturismo, em tantas coisas que li e estudei nos últimos anos e que se materializaram naquelas duas e horas e meia no cinema assistindo à continuação da saga do Pantera Negra.
Não consigo ter a dimensão do que é para uma criança negra ver heróis negros em ação em um filme, fugindo aos estereótipos tradicionais e personificando cientistas e estadistas. Na primeira parte da saga, comentávamos em casa como era desconcertante para nós ver tantas pessoas negras nessas posições e como isso trazia à tona o racismo estrutural, aquele pensamento que cresceu conosco e faz com que pessoas que nunca tiveram um professor negro, desconfiem que há algo de errado quando se deparam com um.
Como uma história que meu amigo Leonardo, cientista, contou de uma viagem acadêmica que fez recentemente. Em ambiente universitário, entram dois palestrantes: um é branco e o outro, negro. O primeiro se apresenta dizendo o nome e começa a falar, o segundo fala um mini currículo, enumerando os títulos obtidos na carreira acadêmica. Quantas vezes ele teve sua presença e conhecimentos questionados unicamente com base em sua cor de pele?
O pensamento decolonial, que busca desconstruir as relações sociais e o imaginário (bastante vivo) herdado do colonialismo, trazendo novos saberes para o mapa, está lá. A vanguarda tecnológica está em Wakanda, lugar que detém conhecimento e poderio militar que são objeto de cobiça das potências ocidentais: os colonizadores, como é dito no filme.
A desconstrução não deixa de lado as relações de gênero e, nunca é demais lembrar que as opressões de classe e raça estão entrelaçadas com o machismo e o patriarcado. No fictício país africano, são as mulheres as protagonistas, inclusive em terrenos tradicionalmente masculinos como o poder, a ciência e a guerra, com a general Okoye à frente.
A obra se encaixa no gênero ou movimento chamado de afrofuturismo, tratado com razão e emoção pela coluna da Patrícia Carneiro aqui na SLER. Como ela diz:
“A partir da década de 80 passou a circular o conceito de Afrofuturismo nos EUA como uma estética cultural, filosofia da ciência, filosofia da história e filosofia da arte que combina elementos de ficção cientifica, fantasia, arte africana e arte da diáspora africana, afrocentrismo e realismo mágico com cosmologias não-ocidentais para criticar não só os dilemas atuais dos negros, mas também para revisar, interrogar e reexaminar os eventos históricos do passado”.
Quando muitas das séries e filmes em cartaz estão retratando distopias, com países despedaçados pela opressão religiosa e/ou desigualdade social, não deixa de ser inspirador artistas imaginando um futuro mais justo, conectado com a ancestralidade, inclusivo e sustentável.
Tanto as distopias como o afrofuturismo desenham um futuro como crítica ao nosso presente. E é preciso confiar na imaginação para que a versão de pautada em relações mais igualitárias seja possível, como aponta Patrícia. Para isso, é preciso ocupar o imaginário para transformar a realidade. Nem que seja com um boneco que lembre que laboratórios avançados também são lugar de mulheres negras.