Foi há mais de uma semana, e talvez eu tivesse a necessidade de refletir sobre o ocorrido para abordá-lo. Em primeiríssimo lugar, preciso dizer: que gurizada querida, cheia de vida, atenciosa e interessada. Fiquei encantado com nossos futuros craques. Às secas, o fato: eu fui convidado pelo Grêmio, pra contar a história do clube e discorrer sobre seus valores à garotada das categorias de base. Na quarta-feira, dia 24, foi aos guris de 14/15 anos; na quinta-feira, dia 25, foi aos guris de 16/17 anos.
O convite foi feito pelo querido amigo David Stival, que, no Conselho Deliberativo, trabalhou firme, ao lado do Fernando Di Primio e do Alexandre Bugin, para a viabilização do livro “120 anos de Glória”, que escrevi e lançamos no ano passado.
Veja bem o seguinte: hoje em dia, quando os grandes clubes têm olheiros espalhados por todos os lugares do país e eventualmente até fora das suas fronteiras, muitos guris chegam à instituição sem saber da sua história e da sua alma.
Não só isso. Mesmo os jovens que vivem aqui nem sempre se informam a respeito. E há ainda os que se informam mal, na medida em que o futebol, com sua essência passional, é ambiente propício a lendas urbanas e narrativas falsas.
Coube a mim contar aos guris que clube é este que me despertou paixão desde meus primeiros momentos da existência. Falamos sobre as grandes conquistas, mas também sobre figuras de carne, osso e CPF que ergueram a instituição.
Alguns personagens e episódios me descrevem a alma de um clube. Não por acaso, o hino é uma ode à perseverança (“Até a pé nós iremos”) composto pelo grande nome da cultura porto-alegrense e gaúcha, o enorme compositor Lupicínio Rodrigues.
Não por acaso, a bandeira oficial necessariamente tem uma estrela dourada, que, sendo oficial, é peça essencial da composição. E essa estrela não é homenagem a alguma conquista, não é arrogante. É a Everaldo, um homem negro, por sua atuação num momento chave do futebol brasileiro.
Não por acaso, foi nesse clube, hoje defendido por esses guris, que nasceu a única torcida organizada LGBT que vingou nas arquibancadas em uma época de homofobia normalizada e até incentivada no Brasil da ditadura: a impressionante Coligay.
Não por acaso, esse clube tem o desenho de uma bola de futebol no seu emblema, porque nasceu por ela e para ela em um episódio fantástico (devidamente relatado), sem ter na sua origem outros esportes ou a necessidade da desforra.
Não por acaso tivemos tantas conquistas épicas, algumas delas mostradas em vídeos aos guris, visivelmente emocionados.
Não por acaso, tivemos o negro Bombardão e o judeu Salim Nigri comandando o som da arquibancada desde os anos 1930.
Não por acaso tivemos o pardo Antunes e o preto Adão abrindo espaço à negritude já nos anos 1910 e 1920, em meio a um ambiente elitista que permeava todos os clubes de futebol.
Não por acaso, só agora consigo escrever sobre a emoção de ter relatado tudo isso aos guris. Em tese eu fui generoso ao aceitar o convite. Na prática, o clube que foi generoso ao me dar essa oportunidade única de desenhar a alma aos nossos anjos.
Não por acaso, levarei comigo para toda a vida essa experiência que qualquer torcedor gostaria de ter. Meu sentimento é o de ter superado as limitações técnicas que a natureza me impôs e, apesar delas, ter conseguido fazer um sonhado gol de placa.
Obrigado, Tricolor!
….
Shabat shalom!’
Foto da Capa: Acervo do Autor
Mais textos de Léo Gerchmann: Clique Aqui.