Gosto de uma expressão muito usada nas redações quando precisamos fazer reportagens esclarecedoras, interpretativas e, muitas vezes, até didáticas. E frequentemente lançamos mão da estratégia de recorrer a fatos reais para ilustrar a tentativa de ir direto ao ponto.
Utilizemos esse recurso, então, em três situações.
- Uma ex-colega de colégio me encheu de desaforos e me bloqueou nas redes sociais, porque, como disse uma outra colega, amiga nossa, eu nunca deixara de ser o mesmo “maconheiro e comunista” que era quando guri. Motivo: eu defendi a vacinação contra a Covid. Vejam bem, a imagem de “maconheiro e comunista” se reportava a rótulo criado quatro décadas atrás, mas o incrível é que eu adorei ser chamado assim. Mas não me dei por vencido. Procurei minha antiga colega no Whatsapp e tentei argumentar que não valeria a pena a gente brigar, que cresceu junto etc. E, para enfim apaziguar os ânimos, sugeri: “Nem eu nem tu somos médicos. Quem sabe a gente deixa esse assunto pros cientistas?” Tchê loco! Juro que fiz essa proposta com a maior das inocências. Mas eu não tinha me dado conta: a ciência também é “maconheira e comunista”. Ela encerrou o assunto e continua rompida comigo.
- Eu estava na selva automotiva e travei o seguinte diálogo com uma figura que me fechou a frente: “Pô, meu, eu não te vi”, explicou o orangotango, cujo caminhonetão ostentava certo adesivo muito adequado ao seu temperamento egoísta e expansivo. Eu respondi: “Pois tu não te deste conta de que justamente esse é o problema? Olhar os outros poderia ser uma boa, né?” O orangotango ficou me mirando fixo, com aquele olhar que denota típico vazio existencial, talvez tentando entender o significado do que eu dizia. Só depois reparei na profundidade e na atualidade daquela minha resposta. Desde então comecei a reparar que a regra de dar a preferencial entrou em triste desuso. Você já reparou? Nada muito diferente do cara que se recusa a tomar vacina ou usar máscara em meio a uma pandemia avassaladora sem cogitar que essa atitude está longe de ser a tão alardeada, deturpada e distorcida “liberdade individual”.
- Na semana passada, aqui no nosso “Mississipi em Shame”, dezenas de pessoas protestaram contra o racismo na frente do União, clube onde dias antes o cantor Seu Jorge sofrera ofensas raciais. Uau! Como isso incomodou o pessoal das vuvuzelas no Parcão e na Encol! Chegaram ao ponto de dizer que o protesto (contra o racismo!) era uma manifestação político-partidária. Minha primeira reação foi a de reclamar. “Como assim?! Ser antirracista, uma obrigação civilizatória de qualquer pessoa decente, é uma atitude partidária?! Que absurdo!!!”. Mas aí eu me dei conta: sim! Os fachas têm razão! Diante do quadro que vivemos, com o referendo que ocorrerá neste domingo, evidentemente, ser contra o racismo, a homofobia, a misoginia e outras porcarias é ter lado, é ter partido. Tive que dar o braço a torcer aos fachas. Ah, antes que você me corrija e exija retificação, eu digo: “Referendo?!”. Sim, você não percebeu? Estamos diante do referendo que decidirá se os brasileiros continuarão respirando o ar opressivo do fascismo ignorante.
Está claro?
Ignorância, egoísmo e preconceito em três elucidativos atos.
É disso que se trata. Estamos diante de uma consulta popular que se equipara ao referendo responsável pela varrição do ogro (perdão, Shrek! Você é ogro e é verde, mas tem ótimo coração!) Augusto Pinochet no Chile em 1988. Façamos a mesma faxina!
…
Verdes anos
E o pessoal anda apavorado com a violência e o jogo sujo num país em que, não tanto tempo atrás, houve repressão, torturas, cassações, exílios e assassinatos. Algumas das pessoas que fizeram aquilo estão por aí. Outras são suas fiéis seguidoras e admiradoras. Pra gurizada que achava que aquilo era ficção num mundo distante e imaginário, eis a barbárie em tempo real. Os fachas que incentivam esses horrores hoje contam com os meus mesmíssimos desprezo e asco daquela época. E será difícil colar o que está sendo rompido na minha alma. Estou só observando.
E podem me chamar de “maconheiro e comunista”!
…
Falando muito sério: nunca tive partido político. Meu temperamento exige independência. Eu me sentiria engessado, desconfortável em muitas ocasiões. Nesta eleição histórica, porém, há algo poderoso. Sou da geração que foi criança e adolescente na ditadura, que curtiu muito rock’n roll, leu literatura humanista, ouviu gênios da MPB, fez política estudantil no colégio e na facul e deu enorme parcela da sua vida pro Brasil, este país lindíssimo, ser pujante, diversificado, industrializado e institucionalmente firme e seguro. Nestas eleições, que são uma escolha entre civilização e barbárie, estou especialmente envolvido emocionalmente porque luto por mim, pela minha própria vida e pelos meus afetos.
Há alternativa? É uma questão moral.
…
Lição altamente didática do retrocesso que, caso o absurdo seja o vencedor no referendo deste domingo, se avizinha: usar práticas da República Velha (pré-1930) pra atingir a meta de chegar a antes da Revolução Francesa e seus ideais iluministas (pré-1789). Na real, os fachas nos querem levar pra muito além disso, pra quando era possível ter uma granada na caverna, como tinha certo primata que andou virando notícia.
…
Piadinha pra descontrair
Na atual onda de absurdos, já se defendeu muito até o delírio medieval de que a Terra seria plana. Ouvi uma piada ótima sobre isso. “Sabe qual a maior prova de que a Terra é ‘plana’? É que ela é ‘planeta’. Se fosse redonda, seria ‘redondeta’. Imagina se fosse na forma de ‘punho’”!
…
As pessoas que dizem que os protestos contra o racismo são partidários parecem os advogados dos fascínoras argentinos que foram julgados depois de 1983 pelo que fizeram na “guerra suja”. O que diziam esses advogados dos fachas? Que as madres de la Plaza de Mayo, no tribunal que julgou os monstros, deveriam tirar seus lenços, porque os lenços dessas MÃES QUE RECLAMAVAM POR SEUS FILHOS ASSASSINADOS seriam “partidários” (!!!). Mas concluí que é verdade o que eles dizem! Partidários do amor e da vida contra o ódio e a morte.
…
Aviso aos navegantes das naus sem rumo: ok se arrepender uma vez; arrepender-se de novo, pelo mesmo erro, será inaceitável.
…
É errado forçar a igualdade do desigual, o paralelo do assimétrico. Abri a janela e vi o céu azul? O ideal seria escrever que o céu está azul sem dar ouvidos ao delirante que diz que o céu é verde. Sei que o supremacismo racial é a radicalização institucionalizada do egoísmo, da desigualdade e da supremacia por supostos méritos, ou seja, “extrema-direita”, literalmente (o oponente a essa “ordem natural” era o “bolchevique judaico”, e judeus e comunistas eram eliminados); então, não posso dar ouvidos a quem diz que “o nazismo é de esquerda”.
As imagens da Terra redondinha como uma bola abundam; não posso ouvir quem delira dizendo que ela é plana. E por aí vai! O tema é sério! Vai muito além da teoria e do apelo ideológico. Podemos citar também a negação dos benefícios históricos da vacina e a subestimação homicida de uma pandemia devastadora. Isso é cotidiano! É vida! Não é intelectualmente honesto eu ouvir o outro lado quando o psiquiatra diz ao paciente que ele não é o Napoleão! Captaram?!
Logo, temos ainda algumas horas pra entender o grito de gente como a (ótima!) Simone Tebet, o Joaquim Barbosa, o Antônio Britto e todo o mundo civilizado, de dentro e de fora do país. Estamos revivendo a “Diretas já!”, estamos num referendo como o do Chile em 1988. Vamos usar os nomes corretos e dar os tratamentos adequados! A lista inesgotável de horrores ditos, feitos e planejados pelo Scar e pelas suas hienas é fascismo, e fascismo precisa ser vencido! Simples e translúcido assim. Ah, e parem com a esparrela (o álibi pra cometer o crime de apoiar o fascismo) de chamar o outro de “o ladrão” no país das capitanias hereditárias, do Adhemar de Barros, do Maluf, do Collor e de dezenas de outros, incluindo aí as figuras grotescamente sinistras que compram imóveis com dinheiro vivo, fazem rachadinhas com salários de servidores, usam o orçamento secreto etc etc etc.
Chega de hipocrisia e vamos ao grão: o lance é salvar o país do fascismo ignorante e psicopata que nega nossos maiores valores, ameaça as instituições democráticas, briga com a ciência e a cultura, despreza a arte que nos salva e maquia o cinza de verde e amarelo. Enxerguem as hienas! Não defendam o indefensável.
…
Uma pessoa valoriza, apoia e promove a arte, a ciência e a cultura, e tem o apoio de praticamente toda a intelectualidade e os artistas consagrados do país (nossas referências culturais da vida toda), sendo ela própria defensora de valores humanistas; outra pessoa despreza e destrói a arte, a ciência e a cultura, além do meio ambiente, e tem a ojeriza profunda da intelectualidade e dos artistas que nos são referência de sensibilidade desde sempre, defende clubes de tiro no lugar das bibliotecas (crítica a primeira por dizer o contrário) e cotidianamente fala e faz absurdos inadmissíveis sob aplausos de pessoas más e ignorantes. Posto o paralelo, vejo quem acuse a primeira dessas pessoas de ser iletrada e demoníaca, que “oferece picanha como o satanás ofereceu a maçã no Éden”.
…
Por favor, reouça os seus discos de MPB; releia seus livros de História; reveja filmes brasileiros, argentinos e chilenos; relembre aquelas palestras de intelectuais que você aplaudiu de pé; reviva a “Diretas Já!”; recorde novelas como “Roque Santeiro” e “O Bem Amado”; busque na memória a época em que aquele milico maluco que se elegia no Rio defendendo absurdos era motivo de escândalo unânime e alguns risos pela bizarrice que todos víamos nele; volte às longas conversas que tínhamos nos bares da Osvaldo. Acorde!!! Perceba o que está ocorrendo enquanto há tempo!
…
Insight da numerologia
Uma velha tradição judaica recomenda que os homens contem a idade até o bar-mitzvá somando com os anos restantes, posteriores.
Tenho 58.
Logo…
13 + 45 !!!
…
Poetemos…
Sérgio Moro, grande jurista!
Faz eu me decepcionar
Com notório comunista
É que Dias Gomes foi incapaz
De imaginar o absurdo
Que a dura realidade nos traz
Nunca e em qualquer foro
Imaginou personagem
Equivalente ao próprio Moro
Que condenou e virou ministro
E agora, na cara dura,
Dá suporte pro sinistro
Propaganda em causa própria
Neste sábado, às 17h, tenho sessão de autógrafos do meu livro “Uma história gremista de amor e inclusão”, que conta a lindíssima história generosa e humana do IGT (Instituto Geração Tricolor).
É o começo da Feira do Livro! Desfrutem da cultura e da arte.
Espero que seja só o início dum finde tri bom!
…
Shabat shalom