Surpresa, alegria, curiosidade. Assim reagi quando o médico André Islabão me falou que estava escrevendo um livro. Por conhecê-lo e saber do jeito peculiar de conduzir as consultas e conversar com os pacientes, logo pensei que não seria apenas mais um livro sobre medicina. Ao ler Entre a estatística e a medicina da alma – Ensaios não controlados do Dr. Pirro, seu primeiro livro, confirmei minha percepção. Imediatamente, me apaixonei pelas ideias e pela escrita literária do autor. Não é técnico. Não é científico. Não é pretensioso. É um livro simples e humano, que já comentei aqui em 25 de abril de 2023.
Foi também com surpresa, alegria e curiosidade, aliadas a uma grande emoção, que tomei contato com o segundo livro do André, O risco de cair é voar – mors certa, hora incerta, publicação em que aprofunda a importância de se falar sobre a morte.
Saber que suas ideias ultrapassam as fronteiras brasileiras me emociona muito.
A seguir um pequeno comentário sobre cada uma das publicações.
“O risco de cair é voar – mors certa, hora incerta”
Diante da maior certeza da humanidade, que gera tantas incertezas, André Islabão diz que viver plenamente é a melhor maneira de amenizar o desconforto que a possibilidade da morte provoca. Dedicar-se a atividades prazerosas para além do trabalho, dedicar-se à família, aos amigos, à música e outras artes, à jardinagem, às viagens, à leitura, à escrita são algumas sugestões apontadas no livro. É o que o médico recomenda ao expor suas ideias sobre o nosso estar no mundo para não chegarmos frustrados ao final da jornada. A leitura de O risco de cair é voar: mors certa, hora incerta (Editora Ballejo Cultura & Comunicação, 2022, 160 páginas) é instigante. Um desafio.
Ao agradecer às pessoas que contribuíram para o enriquecimento da publicação, tão rara quanto necessária, André afirma que é fundamental reconhecer a importância da morte para celebrar a vida – “Podemos não saber o que acontece depois da morte, mas sabemos o que acontece antes dela”. Aí reside a nossa responsabilidade pelas mudanças possíveis que podemos fazer para melhorar, “tanto em relação aos nossos momentos finais quanto à forma como iremos encarar a vida”. O médico geriatra José Carlos Campos Velho, editor do site Slow Medicine Brasil, que assina o prefácio do livro, salienta a coragem de André ao praticar e reforçar a necessidade de uma medicina ética, humana, voltada para o bem-estar físico e emocional das pessoas, “onde o médico se diferencia buscando o melhor caminho para ser compartilhado com seu paciente”.
“O Amor Cura… E amor não me falta”
André encerra o livro, que mantém um diálogo estimulante com a filosofia, prestando uma homenagem ao jornalista gaúcho José Walter de Castro Alves, um amigo e parceiro de trabalho muito querido, que morreu de câncer em fevereiro de 2020. Zé Walter, como era conhecido, foi cuidado por ele desde a descoberta da doença. No hospital, André entregou um bloco ao Zé e pediu que escrevesse sobre o momento difícil e sem retorno que vivia. A relação dos dois sempre foi franca e afetuosa, assim como a relação de André com os familiares do jornalista. Zé escreveu “O Amor Cura… E amor não me falta”, texto que está no final do livro, a partir da página 145. E o poema “Minha árvore guardiã” – “quando chegar a hora / Do meu passamento – e sei / Que um dia vai chegar – / Quero levar comigo / O teu exemplo, tua força, / Tua imagem formosa / Para não me esquecer de voltar”.
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“Entre a estatística e a medicina da alma – Ensaios não controlados do Dr. Pirro” (Pubblicato Editora, 2019, 236 páginas) traz para o centro da cena uma relação que precisa ser restabelecida, médico/paciente, hoje substituída por pílulas salvadoras, em nome de urgências para além da saúde. Já não podemos mais ficar tristes, adoecer, envelhecer. Já não se vê a pessoa – corpo, alma e fragilidades – em busca de acolhimento, de orientação, de um aperto de mão, de um abraço. A felicidade e a juventude “eterna” se impõem. Diante desta realidade, são necessários e muito atuais os questionamentos feitos pelo médico.
André Islabão é crítico, filosófico e corajoso ao propor uma reflexão profunda sobre a saúde pública e o futuro da medicina. As reflexões que o livro traz falam de nós que, muitas vezes, só precisamos de um ombro amigo, de alguém que nos acalme com uma boa conversa e não de comprimidos que nos afastam de nós. André reconhece os avanços da medicina, mas faz um alerta para o perigoso endeusamento da tecnologia e do excesso de medicação que podem nos jogar em uma existência a qualquer custo e negar a inexorável condição humana: a finitude.
Acompanhei desde o início o processo da publicação com a parceria do jornalista José Walter de Castro Alves, da produtora Kixi Dalzotto e dos editores Vítor Mesquita e Andrea Peccine da Costa, da Pubblicato Editora. Aprendemos muito juntos, sem dúvida! Recomendo uma leitura sem pressa dos ensaios nada comportados, mas essenciais para o nosso cotidiano, do “Dr. Pirro”, porque inspiram e contribuem para uma vida conectada com a nossa realidade.
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Natural de Pelotas/RS, André Islabão formou-se em Medicina pela Universidade Federal de Pelotas/UFPel e vive em Porto Alegre/RS, onde trabalha, desde 1992. É “médico, mas também pai, músico, tradutor, compositor, artista e escritor”. Decidido a tentar reduzir o abismo crescente entre a medicina moderna e uma visão holística do ser humano, acredita que a saúde da alma é tão importante quanto a saúde do corpo. Foi pensando assim que começou a escrever e compartilhar suas ideias com o público. Até já juntou o piano às suas ferramentas terapêuticas para levar um pouco de alegria em forma de música para algumas casas geriátricas.
Serviço: Sessão de Autógrafos dia 22/07/23 – Livraria Gatafunho – Largo 5 de Outubro, 9-10, Oeiras (18 Km de Lisboa). A partir das 16h30, o escritor vai autografar e conversar com o público.